Neymar pode exprimir qualquer opinião. Mesmo as mais execráveis. A Constituição (Art. 5º) permite que apoie publicamente um candidato presidencial, mesmo que seja alguém que promova ataques constantes a essa mesma constituição. A bipolarização que sacode o Brasil só será ultrapassada se nos permitirmos ouvir antes de julgar.
Mas Neymar manifestou o seu apoio a um candidato presidencial conhecido pelo seu sadismo e elogios à tortura vestido com roupas da Puma. Não foi um acaso. Em 2020, a marca esportiva assinou com o futebolista o maior contrato de patrocínio de um atleta do futebol, no valor de aproximadamente 25 milhões de euros anuais, segundo noticiou a mídia na altura.
No momento em que deixou a sua assinatura no papel, Neymar passou a ser obrigado a vestir roupas da marca, criando-se uma identificação visual imediata entre o futebolista e a Puma. Quando o contrato foi assinado, o presidente executivo da empresa alemã, Bjørn Gulden, saudou o ingresso do jogador "em nossa família Puma." O vínculo tornou-se irrefutável.
Cabe à empresa justificar porque decidiu se associar a um jogador com o percurso polêmico como o do Neymar. Outras marcas têm seguido caminhos distintos.
A Nike terminou o apoio ao campeão do mundo de boxe Manny Pacquiao depois deste ter feito comentários derrogatórios sobre a comunidade LGBTQIA+. Este ano suspendeu o patrocínio do futebolista do Manchester United Mason Greenwood após acusações de estupro e agressão.
Geralmente, as marcas esportivas exigem que os seus patrocinados sigam princípios de decência e decoro. Recentemente, a Adidas cortou o patrocínio ao futebolista Kurt Zouma do West Ham depois de um vídeo em que maltratava um animal doméstico.
Naturalmente que Neymar pode simplesmente argumentar que se posicionou de forma semelhante a mais de 50 milhões de brasileiros que votaram em Bolsonaro no primeiro turno. E tem razão.
Mas a Puma não tem. A empresa alemã aprovou um Código de Ética, uma Política de Direitos Humanos, uma Política de Marketing Ético e uma Política Ambiental que a obrigam a seguir princípios éticos e valores específicos. Pelo menos a nível documental, a Puma é uma empresa com forte calibre ESG porque aposta na neutralização dos seus impactos negativos e na maximização dos positivos. Estes materiais, todos disponíveis publicamente, são um repasto de compromissos em direitos humanos. No setor de Têxteis e Vestuário, a Puma é a 2ª empresa mais sustentável do mundo (dados Refinitiv).
Todas as estratégias de sustentabilidade devem ser holísticas e não fatiadas. E, por isso, estes compromissos deveriam se manifestar em várias arenas: nos produtos, na cadeia de valores, na forma como tratam os funcionários. E também nos seus posicionamentos políticos. Cada vez mais as empresas estão sendo escrutinadas pelo seu envolvimento na esfera política -- seja lobbying, doações a candidatos eleitorais, ou apoio a celebridades com opinião política. Consumidores e agências de rating ESG querem saber se os posicionamentos políticos das empresas contradizem as suas políticas de sustentabilidade. É um novo campo chamado de CPR (Responsabilidade Política Corporativa).
O caso de Neymar é particularmente relevante porque o jogador apoiou Bolsonaro em 2018 não podendo a marca alemã alegar que desconhecia a sua preferência política, quando firmou contrato em 2020. O apoio involuntário da Puma a Bolsonaro em 2022, tendo como médium Neymar, é uma violação dos seus princípios corporativos em sustentabilidade.
A coluna entrou em contato com Stefan Seidel, líder da área de sustentabilidade corporativa da Puma, mas não obteve resposta. No Código de Ética da empresa, um dos princípios basilares é: "assumimos responsabilidade por nossas ações e nos responsabilizamos por nossos erros". Em silêncio não conseguirá fazê-lo.
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