O presidente eleito Lula passará por Lisboa nos dias 18 e 19 de novembro e tem encontros agendados com o primeiro-ministro António Costa e com o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. A viagem será acompanhada com detalhe atômico pela mídia local. Também quase todos os veículos de imprensa brasileira têm representantes em Portugal. Será uma boa oportunidade para Lula emitir cinco mensagens:
Para o empresariado português: Lula terá de tentar contornar as descrenças e desencantamentos deste setor relativamente ao Brasil, que consideram um país comercialmente fechado, administrativamente engessado e regulatoriamente pesado. É uma Bela Adormecida da Disney que só empresas brasileiras conseguem acordar.
Na sua primeira visita de Estado a Portugal como presidente, em julho de 2003, Lula levou uma colossal delegação de 60 empresários representantes de dez associações e federações industriais e comerciais (além de Geraldo Alckmin) para eventos com empresários portugueses.
Os resultados desta e de várias iniciativas semelhantes organizadas posteriormente têm sido pouco palpáveis.O comércio bilateral continua sendo limitado e centrado na mesma pauta comercial há centenas de anos. Em Lisboa, Lula não poderá se cingir ao palavreado sobre mudanças e oportunidades. Seria um presente só com embrulho. Terá de ser mais persuasivo e pragmático.
O Brasil é o segundo país mais fechado do mundo para o comércio exterior. O que fará a respeito disso? Por que a nova geração de empresários portugueses –multilíngues, qualificados, globalizados– precisa se virar para o Brasil e não para outros grandes mercados? É uma oportunidade para dar algum ânimo também à Faria Lima.
Para o governo português e o presidente da República: O objetivo central é saturar a ferida na relação bilateral deixada pela apatia de Dilma e Temer e pelo desrespeito ou desleixo de Bolsonaro. A última cúpula bilateral foi em 2016. É relevante que António Costa tenha declarado apoio a Lula antes da eleição, em violação às tradicionais regras diplomáticas, que apelam ao decoro democrático.
Para os portugueses é fundamental manter o Brasil dentro da sua aura de influência universalista e Lula fará bem se ceder a esse jogo, pelo menos momentaneamente. Poderá também pedir ajuda a Portugal para destravar a ratificação do acordo de livre-comércio UE-Mercosul –França, Alemanha e países escandinavos continuam com o sobrolho franzido, mesmo que o Brasil se torne uma potência climática.
Ademais, Lula deveria saudar as novas leis de imigração em Portugal, que favorecem estrangeiros que trabalham de forma remota (nômades digitais) ou cidadãos dos países membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) que querem procurar emprego em solo português. Os brasileiros serão beneficiados por ambas. É de notar que Portugal não fortaleceu as suas estruturas de apoio às novas vagas de imigração e o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) está em colapso, prejudicando dezenas de milhares de brasileiros. Talvez caiba a Lula uma palavra de preocupação sobre isto.
Para os jovens portugueses: Portugal continua apresentando um problema estrutural de falta de renovação das suas elites e de dificuldade de retenção de jovens qualificados. Os mais novos, ou gritam, protestando nas ruas, ou gritam em silêncio, emigrando. E a viagem de Lula coincidirá com o maior protesto de jovens contra o que consideram um descaso do poder público perante a gravidade das alterações climáticas.
Centenas deles têm se barricado em escolas de ensino médio ou faculdades lisboetas. Os portugueses têm reagido com surpresa perante a tempestividade dos adolescentes. Algumas críticas dos jovens são nímias, mas ainda assim devem serem ouvidos. Sem tentar interferir na dinâmica interna portuguesa, Lula poderá sinalizar que entende as frustrações dos estudantes em todo o mundo e que irá bater-se pela justiça climática. É uma oportunidade de exercer soft power.
Para os brasileiros em Portugal: São 250 mil segundo as estatísticas oficiais ou cerca de meio milhão segundo as oficiosas. Nunca houve tantos brasileiros a residir em Portugal, de todas as condições econômicas. Para os que saíram do Brasil pela degradação das condições sociais e econômicas, ou pelo agravamento do radicalismo ideológico, Lula deverá lançar ideias concretas para o futuro, além de emitir uma palavra agregadora. Afinal de contas, cerca de 40% dos eleitores brasileiros em Portugal votaram em Bolsonaro. Lula tem de conseguir falar para todos. Será ouvido também no Brasil.
Para os brasileiros no Brasil: Quando está no exterior, Lula emite uma mensagem poderosa para dentro de casa. Depois da COP27 no Egito, a visita a Portugal será mais uma oportunidade para reforçar a sua autoridade internacional, com impactos na sua base de apoio doméstica.
A nova política externa, que será eruptiva e participativa, irá transportar Lula para um patamar de líder global, através da presença física junto a líderes globais e da transmissão de um discurso responsável e agregador para as potências do Sul Global. Ver Lula sendo consagrado internacionalmente é uma ferramenta doméstica de apaziguamento e de coesão social. É um mecanismo que lhe dará mais poder de barganha na gestão com o Congresso e com os partidos da coalizão.
A viagem a Portugal poderá ser um breve descanso em meio a uma agenda agitada. Ou poderá ser uma oportunidade para conhecermos que Lula teremos a partir de 2023.
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