Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

A palavra terrorismo deve ser usada com moderação

A forma como reagimos à invasão das sedes dos Três Poderes tem de ser feita sem arbitrariedade política e legal, mas também linguística

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Nenhuma palavra é só uma mera expressão gráfica. Cada uma é um armazém de história, de cultura, de leis e de experiências pessoais, que vai muito além de uma significação. É como se cada palavra contivesse uma dose de interpretação, que possibilita a subjetividade, e outra de precisão, que facilita o entendimento por uma mesma comunidade linguística. Os tradutores sabem.

Mas depois há algumas palavras cujos elementos interpretativos são tão preponderantes que devem ser usadas com moderação. São palavras dúbias, parciais, dissensuais. Podem conter tantos significados e ser usadas de formas tão divergentes por uma mesma sociedade que devem ser evitadas por todas aquelas que buscam a exatidão. Os jornalistas deveriam saber.

Bolsonaristas invadem as sedes dos Três Poderes e depredam os prédios - Gabriela Biló/Folhapress

No dia 8 de janeiro alguns canais de TV e jornais definiram os invasores dos prédios sede dos Três Poderes como "terroristas". Na GloboNews o termo foi usado sem freios e de forma consensual por todos os jornalistas, como se o dicionário da insurreição contivesse apenas uma palavra. O objetivo certamente era aplicar um termo chocante para comunicar a gravidade dos fatos.

Estadão e Folha seguiram caminhos mais seguros. O Estadão, nos editoriais de 9, 10 e 11 de janeiro usou as seguintes palavras para descrever os invasores: "golpistas", "baderneiros", "malta de bolsonaristas", "radicais", "insurgentes", "amalucados", "radicais bolsonaristas", "extremistas" e "bárbaros", enquanto a Folha nos editoriais de 9 e 10 de janeiro (o de 11 não se debruçou sobre este tema) optou por "idiotas", "malta golpista", "imbecis criminosos", "celerados", "vândalos", "arruaceiros", "energúmenos", "bolsonaristas", "turba delinquente" e "extremistas".

O grau de barbaridade de dia 8 poderá legitimar que se cometam excessos nas reações. Textos jurídicos poderão ser alvo de interpretações forçadas, poderá haver violações de direitos humanos no tratamento dos detidos. Mas é precisamente quando foi agredido que o Estado precisa de mostrar que é republicano e de Direito. E os profissionais de comunicação deveriam de seguir pelo mesmo caminho.

Só a lei poderá definir se os autores dos atos podem ser chamados de terroristas. Certamente que há margem para a utilização do termo fora do domínio do Direito, de forma retórica ou discursiva. Mas o atual contexto é tão sensível politicamente que a comunicação deve ser feita com racionalidade e sobriedade.

Aparentemente, se lermos o artigo 2º da Lei Antiterrorismo, os invasores não são terroristas à luz da lei. Mas caso as cortes brasileiras tenham uma outra interpretação, certamente válida, só uma efetiva condenação enquadrada por esta lei permitiria a utilização do termo.

Não deveríamos de chamar os invasores de terroristas para enquadrá-los na Lei Antiterrorismo, mas aguardar a condenação pela Lei Antiterrorismo para chamá-los de terroristas. Talvez mais importante, independentemente do enquadramento legal, esses bárbaros serão julgados e punidos –espera-se com a mão dura da lei.

A ONU (Organização das Nações Unidas) é um cemitério de tentativas de parir uma definição universal de terrorismo. A Convenção Global sobre Terrorismo Internacional está estagnada há décadas, sem aprovação.

É um termo sem expressão consensual a nível global e que, por isso, depende de interpretação nas leis locais para ganhar um significado nítido, ainda que regionalizado. Por isso, o termo continua sendo usado arbitrariamente como munição de guerra. Como a Folha destacou, a esquerda e a direita já mudaram de lado sobre o conceito de terrorismo.

De fato, a discricionariedade com que o termo terrorista é usado é aplicável aos próprios insurgentes de Brasília. Em uma simples pesquisa por grupos bolsonaristas nota-se que o presidente Lula, o MST, o Foro de São Paulo, Alexandre de Moraes e tantas outras personalidades e organizações são infantilmente adjetivadas como terroristas. Chamar, por isso, de "terroristas" aos extremistas antes de uma condenação é aceitar a convocação para uma pocilga ideológica onde falta circunspeção e lei.

1964 foi um "golpe" ou uma "revolução"? 1915 foi um "genocídio" ou um "crime de guerra" na Armênia? 1500 foi um "descobrimento" ou um "achamento"? O uso de algumas palavras tem implicações. Desperta comoções e divisões. Enquanto limpamos os escombros dos palácios, o termo terrorista deve ser usado com parcimônia.

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