Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Não, a culpa não é dos outros; é toda nossa

Dizemos o copo caiu, quando ele escorrega da nossa mão; não foi descuido, o copo que se suicidou

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Máscaras pintadas instaladas na frente do Congresso em protesto contra a corrupção
Máscaras pintadas instaladas na frente do Congresso em protesto contra a corrupção - Eduardo Anizelli - 23.mai.17/Folhapress

Estava na casa de um amigo quando o filho bateu com a canela na mesa. Após acalmá-lo, o pai pegou sua mão e o fez repetir: “Mesa feia!”.


Nas minhas andanças, percebo que falta ao brasileiro “accountability”, uma ausência tão sintomática que nem a palavra existe em português —a melhor tradução é responsabilização individual, e essa ainda assim é falha.

Aqui nada é nossa culpa. O filho vai mal na escola. Os pais transferem a responsabilidade para o professor. Que reclama do diretor e das condições de trabalho. O diretor culpa o governo, que, por sua vez, transfere tudo para a crise internacional ou o FMI.


Nas empresas, o mais comum é a perda de produtividade por problemas que não têm dono. Nossa falta de responsabilização está até na língua. Dizemos “o copo caiu”, quando ele escorrega da nossa mão. Não foi o nosso descuido, afinal. Foi o copo que se suicidou. 


Também, quando queremos comparar vencimentos, perguntamos: “Quanto você ganha?”. O salário é um presente, quase uma dádiva divina, e não há nenhuma relação entre esforço e remuneração. Obviamente, no resto do mundo não é assim: perguntamos “quanto você faz” em inglês ou mandarim e é natural negociar aumentos de salário se somos mais produtivos.

No Brasil, criamos a figura mítica da indústria das multas. Ora, é fácil provar que ela não existe. Vamos supor que cada motorista cometa somente dez erros por dia (eu, como bom brasileiro, erro até mais que isso, incluindo não verificar limites de velocidade, esquecer a seta ou ultrapassar pela direita).

Se dirigimos 300 dias por ano, são 3.000 erros. Mas nossa média é de menos de três multas por carro particular por ano. Ora, que indústria poderia sobreviver com uma taxa de acerto de 0,1% por ano?

O que está na língua vale para o sistema político. Nós nos defendemos dizendo: “Não fui eu”, e, pior, dizemos “não votei nele!” para reclamar do governante horroroso. 

Jânio Quadros renunciou citando forças ocultas. Uns gritam contra “o golpe” e “os paneleiros”, enquanto outros vociferam contra os “esquerdopatas”. Os inimigos são sempre indefinidos (elite, burguesia ou o sistema financeiro), pois assim é possível transferir toda a responsabilidade para eles.

Não, a culpa não é dos outros. É toda nossa. Não há complô dos Estados Unidos contra nosso desenvolvimento, nem um grupo de Illuminati decidindo para onde vai o país. Isso também vale no dia a dia, quando errarmos no trabalho ou nosso filho tira nota ruim. 

Mesmo que não tenhamos votado no horroroso prefeito que abandona a cidade no Carnaval por causa da sua religião, devemos reclamar e ir às ruas para que cumpra suas promessas. Para aumentar nossa produtividade, é preciso sermos donos de nossas ações.

Um colega que dava aula na França comenta, para quem quiser ouvir, como ficou impressionado com a atitude das secretárias do departamento da universidade. Elas não fazem corpo mole, mesmo tendo estabilidade. Afinal, são pagas por todos os franceses. Ninguém no departamento admite o fato de uma pessoa sugar os recursos da sociedade para si.

Fazer corpo mole significa se locupletar do resto da população, o que é inaceitável. Isso vale onde quer que eu já tenha dado aulas. 

Problemas têm dono. Nossa malandragem custa caro. Precisamos mudar nossas normas sociais. Estamos em um país desigual e no qual precisamos remar juntos. Ficar fugindo da responsabilidade e culpando os outros não vai nos levar a lugar algum.

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