Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

No mundo, fintechs revolucionam; no Brasil, inovação é pagar conta em lotérica

Regulação é tão rígida que torna praticamente impossível haver novos concorrentes

Passageira paga ônibus com sistema Alipay, via smartphone, em Hangzhou, na China
Passageira paga ônibus com sistema Alipay, via smartphone, em Hangzhou, na China - Xu Kangping - 16.ago.16/Xinhua

Já me peguei várias vezes saindo sem carteira em Xangai. Às, vezes percebo no final do dia. Não preciso mais dela. Para tudo, uso Alipay ou WeChat (este uma versão melhorada do WhatsApp).

Pago qualquer coisa via aplicativos, desde transporte até o vendedor de frutas na esquina. Eu poderia até pegar dinheiro emprestado para usar como quiser, com um certo limite. A China caminha para um mundo completamente digital e é até mais avançada que na Dinamarca, onde também ensino. Nos dois países, usar dinheiro fica cada vez mais raro. Em algumas lojas não se aceitam mais yuans ou coroas dinamarquesas.

Enquanto isso, nosso outrora avançado sistema financeiro ficou pra trás. Em pleno 2018, o novo presidente do Bradesco assumiu anunciando que seu desafio era digitalizar o banco. Esse tipo de estratégia não sai muito do lugar, no Brasil. A razão é simples: estamos presos em um equilíbrio de baixo valor para a sociedade. 

Enquanto muitos discutem se o Banco Central deveria ser independente ou não —um problema pouquíssimo relevante entre os tantos do país—, o problema central é retirar barreiras à inovação e à competição. E ainda temos todo o crédito que é direcionado a diversos setores preferenciais. Num mundo de fintechs, empresas de tecnologia do setor financeiro, a nossa grande “inovação” (até necessária) foi liberar pagamento de contas em casas lotéricas.

Há uma explicação para esse conservadorismo na regulação financeira: a estabilidade do sistema. Temos o sistema financeiro mais seguro do mundo. Nunca teremos uma crise como a que abalou o mundo em 2008. Mas pagamos caro, com juros altíssimos e serviços ruins. Parte da população e a maioria das empresas têm pouco acesso a crédito, com uma concentração em poucos bancos que concorrem pouco entre eles. Não devemos desregulamentar tudo, mas com certeza devemos deixar o hiperconservadorismo para trazer muito mais competição ao setor.

Na China, mais de 800 milhões de pessoas usam WeChat Pay. O sistema de pagamentos via celulares, a maior parte sem envolver bancos diretamente, movimentou cerca de 200 trilhões de yuans (pouco mais de R$ 100 trilhões) em 2017 —mais de 200% do PIB do país. 

Os bancos chineses, até 2020, vão perder metade das receitas de serviços para os novos meios de pagamento. As pequenas empresas não estão presas às altas taxas de cartões de débito e crédito. O banco central chinês permite e incentiva a competição, mesmo os maiores bancos sendo estatais e as fintechs privadas. Três em quatro empréstimos via celulares no mundo acontecem na China. E a maior parte é entre pessoas (peer-to-peer lending). O Alipay acabou de entrar em 36 países. O sistema evolui rapidamente.

Enquanto isso, no Brasil, a regulação é tão rígida que torna praticamente impossível haver novos concorrentes. Cada rodada de mudança regulatória demora muitos meses e vem cheia de poréns. E, quando alguém consegue oferecer melhores serviços ao cliente, como a XP Investimentos, um grande banco vai lá, adquire a empresa, e o Cade aprova.

Novas tecnologias podem destravar o acesso a serviços financeiros no país, fazendo a taxa de juros dos empréstimos cair e permitindo a empresas acesso a recursos para o crescimento. Para isso, Banco Central e CVM devem agir como facilitadores. 

No mundo, fintechs estão causando uma verdadeira revolução nos serviços financeiros. Está na hora de chegarmos ao século 21.

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