Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

Chineses atingem os EUA em cheio e viramos dano colateral

Há quem diga que a guerra comercial beneficiaria o agronegócio brasileiro; não é assim

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Contêineres são carregados em navio no porto de Qingdao, no leste da China
Contêineres são carregados em navio no porto de Qingdao, no leste da China - Associated Press

“Que você viva em tempos interessantes” seria uma maldição, usando fina ironia, chinesa. Mas a frase é apócrifa, inventada numa correspondência entre diplomatas ingleses. Interessantes ou não, podemos estar vivenciando um momento de inflexão histórica.

Mundialmente, a maior dúvida é se estamos assistindo à desglobalização. A última notícia é a retaliação da China às pirraças do presidente Trump, pirraças essas que viraram tarifas sobre aço e alumínio. A China reagiu aumentando barreiras às exportações americanas de 120 produtos agrícolas.

No cenário interno, tivemos mais uma rodada para definirmos quais, afinal, são as regras sobre execução provisória da pena, algo tão fundamental que deveria ser muito raro, mas que aqui o “vento” tenta mudar a seu sabor.

Ninguém ganha, no mundo ou aqui, qualquer que seja o desfecho. Há quem diga que a guerra comercial entre China e EUA beneficiaria o agronegócio brasileiro. Não é assim. 

A China é o maior consumidor agrícola do mundo. Ao impor tarifas, mesmo que somente aos produtos americanos, reduz fortemente seu consumo. Essas tarifas são equivalentes a um novo imposto a todos os consumidores chineses e produtores mundiais.

Os americanos sofrem mais, é verdade, mas os brasileiros também perdem. A demanda mundial cai. E dramaticamente. Os preços da soja caíram 5%, minutos depois do anúncio da retaliação chinesa, e vão continuar abaixo da tendência anterior ao anúncio. Perdemos tanto no curto quanto no longo prazo. Os chineses atingiram os EUA em cheio e viramos dano colateral.

No caso das tarifas americanas ao aço, mesmo que consigamos uma exceção total, algo impossível, os produtores brasileiros perdem. A Coreia do Sul obteve uma exceção após prometer uma redução “voluntária” de exportações de aço aos EUA a 70% do volume dos anos anteriores. Os produtores sul-coreanos vão ser compensados parcialmente pela diferença entre o maior preço do aço nos EUA e o menor preço no mundo. No geral, os produtores ainda perdem, é claro, só que um pouco menos.

Aqui nossa guerra é jurídica. Se o processo contra o ex-presidente Lula resultasse num reforço institucional que garantisse a segurança jurídica do país, a sua condenação seria benéfica, no longo prazo. Mas não é assim. Nada garante a validade das regras para a próxima leva de condenados por corrupção, ainda mais no caso de peixes grandes. Veremos manobras para safar políticos X ou Y, por meio de tecnicalidades extemporâneas ou torcidas pela mudança de entendimento jurídico.

No curto prazo, a prisão do ex-presidente vai trazer uma resolução à ansiedade coletiva do país. Mas me preocupo com o longo prazo. As gritarias pela volta dos militares, que deixaram um país arrasado, ou de que o “golpe” se consolidou não são realmente importantes. Entretanto, o estrago está feito.

Os ministros, que chegam a se agredir verbalmente no Supremo, não passam confiança. A polarização da sociedade e a desfuncionalidade do Congresso só tendem a piorar. Temos um conforto: somos um pouco menos imaturos e não chegaremos a mudar o eixo da sociedade, como no caso da hiperinflação nos anos 1980. Criamos um país minimamente estável e até atravessamos uma grande crise econômica, sem uma ruptura completa.

Mas, pelo visto, vamos continuar presos na armadilha da renda média por um bom tempo. Tempos interessantes mesmo.
 

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