Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

Brasil deveria abrir completamente as fronteiras para os venezuelanos

Solidariedade é o papel de uma sociedade humanista moderna

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Sim, tragam para nossas casas. A primeira crítica infantil à política de refugiados é: você gostaria de um na sua casa? Sim, é claro. 

Cada parede, estrada ou fazenda deste imenso país foi construída no lombo de alguém fugido, capturado ou lutando para sobreviver. Nunca apagaremos da nossa história a vergonha de termos sido o último país do mundo a abolir a escravidão. Será que teremos ainda mais razões para nos envergonhar, desta vez pela nossa apatia ante as crises humanitárias atuais?

Fizemos pouco pelos haitianos que fugiram do terremoto de 2010. E, hoje, com a crise na Venezuela, vemos governos pedirem o fechamento da fronteira e impedirem venezuelanos de fugir da fome. Essas podem ser somente táticas políticas por mais recursos, mas que podem acabar em crime hediondo.

Um venezuelano que entra não torna necessariamente a vida de um brasileiro pior. De 1 + 1 podemos construir 3. Dá para receber refugiados venezuelanos sem que a população local sofra. 

A União Europeia pagou mais de R$ 24 bilhões para a Turquia montar gigantescos campos de refugiados. A abordagem estava errada. Precisamos não de campos de refugiados, mas de integração com a população local.

Ajuda internacional pode acelerar o processo, mas podemos fazer com nossas mãos. Esse não é um artigo utópico. Viver num mundo de restrições orçamentárias é defender que, em último caso, aumentemos impostos para financiar a integração dos recém-chegados.

A vida de um venezuelano não vale menos que a de um amazonense ou de um carioca. Claro que tribos formam nossa identidade. São parte de um processo evolutivo no qual a codependência era (e é) estratégia fundamental de sobrevivência individual. Mas isso tem limites. 

Não é lógico um critério de identidade baseado na região de nascimento. Entretanto, nem precisamos de ideologia. Os estudos científicos mostram que países com grandes ondas de imigrantes e refugiados ganham enormemente no longo prazo. 

Em algumas situações custos iniciais de integração são altos, mas todos acabam se pagando. Estudos recentes sobre as ondas de refugiados em Miami (vindos de Cuba), por Clemens e Hunt, na Turquia (vindos da Síria), por Tumen, mostram que não há significativo impacto sobre os trabalhadores locais. Isso não quer dizer que abrir as fronteiras traga só benefícios. 

No caso da Turquia, a probabilidade de um local ter um emprego mesmo que informal diminuiu, embora o desemprego formal e a inflação também tenham caído. Para um país de renda média com grandes problemas sociais como o Brasil, há sempre a possibilidade de que os efeitos negativos de uma onda de refugiados se sobreponham aos benefícios. Mas precisamos arriscar.

Devemos, no contexto venezuelano, simplesmente abrir as fronteiras. Completamente. É bom economicamente, mas, mais importante, é um imperativo ético. 

Ser brasileiro não é nada demais. O acaso de nascer em um determinado país não torna ninguém mais ou menos especial. Não há nada na nossa água que nos faça melhor que venezuelanos, haitianos, ou mesmo brasileiros de outras “tribos”. 

Solidariedade é o papel de uma sociedade humanista moderna. Não deixemos Roraima à míngua para lidar com a onda de refugiados venezuelanos. Que recursos sejam remanejados. Que contraiamos dívidas. Que aumentemos impostos. Que busquemos um grande acordo internacional. Mas que seja logo, pois a cada dia que passa nossa vergonha só aumenta.

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