Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

Única esperança é que o novo presidente cometa um estelionato eleitoral

Precisamos de um Bolsonaro desonesto, que não cumpra promessas de campanha

Estranhos são os tempos quando temos de torcer por um estelionato eleitoral. Simplesmente não há outra opção. 

Se Bolsonaro cumprir suas (poucas) promessas de campanha, o destino do Brasil não vai ser diferente do das Filipinas, onde Rodrigo Duterte assumiu com um discurso de bala e bíblia similar ao da extrema direita brasileira.

Duterte, diferentemente de Bolsonaro, assumiu a Presidência com uma economia aquecida, crescendo a 6,5% ao ano. A sua má gestão da economia ainda não afetou o PIB, mas já jogou a inflação para cima da meta. 

Jair Bolsonaro faz gesto de arma com mão de criança durante discurso em Goiânia
Jair Bolsonaro faz gesto de arma com mão de criança durante discurso em Goiânia - 19.jul.18/Mais Goiás

Sua única política decente, uma tímida reforma fiscal, foi contrabalançada por um descontrole de gastos públicos. 

No combate ao crime, Duterte levou a cabo suas promessas. Sob seu governo, o foco na segurança sem real plano adequado para isso trouxe dois resultados: o número de crimes diminuiu no agregado (9%), mas os assassinatos explodiram (mais de 22%, a maioria por policiais e milícias).

Combater o crime requer inteligência, algo em falta na cúpula do nosso novo governo. Sem isso, o mandato de combater o crime a todo custo vai levar ao que aconteceu nas Filipinas: disparo no número de assassinatos, com redução do crime pelo patrulhamento ostensivo e táticas de medo que não são sustentáveis no longo prazo. 

Seguir políticas tresloucadas similares aos de um país com renda média de um quarto da brasileira não parece ser a solução para os problemas de violência em Terra Papagalis.

A única esperança que temos é que o novo presidente cometa um estelionato eleitoral e ignore as promessas de campanha. Isso é relativamente comum no Brasil. 

Lula assumiu o governo, em 2003, com desemprego e inflação nos dois dígitos. Fez campanha prometendo empregos a qualquer custo. Entregou a manutenção do tripé macroeconômico para limitar aumento de preços, foi acusado de estelionatário por uma ala do partido e dessa briga surgiu o PSOL

Dilma buscou a reeleição prometendo continuar as estultices da Nova Matriz Econômica, mas assumiu e colocou no lugar Joaquim Levy, sinalizando uma saída mais ortodoxa para a crise fiscal. 

Normalmente é saudável que um candidato mantenha suas promessas de campanha. No Brasil, contudo, talvez o melhor caminho seja o jeitinho de prometer uma coisa e entregar outra. Caso contrário, não só vamos continuar na dianteira no número de assassinatos no mundo mas vamos acumular mais recordes trágicos.

O caso de Trump também é emblemático. Muitos esperavam que a retórica populista, recheada de promessas atrozes, como a guerra comercial com a China, o combate cego à imigração e a saída do país do acordo com o Irã, fosse ser abandonada após a eleição. Não aconteceu. 

Pior, Trump foi além das suas promessas de campanha, chegando a aprisionar e maltratar crianças que teriam entrado ilegalmente no país. 

É consenso que a economia americana, como a filipina, vai bem APESAR do presidente. Mas a economia brasileira está em frangalhos, e um presidente que coloque suas energias em liberação de porte de armas e incentivos para que a polícia combata o crime custe o que custar vai nos levar para o abismo mais rápido.

Precisamos de um Bolsonaro desonesto, que cometa em alto e bom som um estelionato eleitoral, abandonando a retórica populista que alimenta o terrorismo do dia a dia e criando soluções de consenso que junte as peças de um país quebrado. Se o novo presidente for somente um cínico pragmático, estaremos no lucro.

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