Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

Se seus filhos são inteligentes, eles não precisam de herança

Deixar a melhor educação já é o suficiente; no Brasil, queremos deixar tudo para eles

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Nada é mais inútil que deixar casa própria como herança. Hoje, a preocupação deveria ser flexibilidade e mobilidade, e não doação de tijolo. 

“Uma rede de contatos e a melhor educação que o dinheiro puder comprar” foi a frase usada por Sam Palmisano, ex-presidente-executivo da IBM, quando perguntei o que deixaria para os seus filhos. 

Somente o seu pacote de aposentadoria seria de mais de US$ 270 milhões, mas nada irá para os filhos. A ideia calvinista de que enriquecer é glorioso, mas morrer rico é pecado, ainda permeia o ideário dos ricos americanos. 

No Brasil é o contrário, os traumas são tantos que queremos deixar tudo para os filhos; desde casa até, se possível, empregos vitalícios (fora os muitos concursos arranjados para filhos de funcionários públicos).

No fundo, as elites se preocupam demais com o sucesso dos seus filhos. Quanto mais desigual o país, mais forte a permanência de um membro nesse grupo, mesmo sem transmissão direta de bens. 

Um trabalho recente de Leah Boustan e coautores revela isso claramente. Eles usaram uma montanha de dados, incluindo censos em diversos anos, para mostrar o que aconteceu com os filhos dos ricos americanos do Sul logo depois da Guerra Civil americana. 

Muitas famílias perderam parte da sua riqueza (construída em cima do sangue de inocentes) com a libertação dos escravos. Seria de esperar que os filhos dessas famílias tivessem mais dificuldade de se manter ricos do que as famílias cuja riqueza vinha de outras fontes. Mas não foi isso que eles encontraram. 

Em 10 a 20 anos, as gerações mais novas já tinham recuperado sua posição econômica e social. Esse trabalho mostra a força dos círculos sociais em manter protegidos os membros da elite, por meio de contatos para emprego, abertura conjunta de empresas, casamento etc. Trabalhos similares mostram que essa força é a mesma em diversos contextos, mesmo em países nórdicos, onde a mobilidade social é mais alta.

A atriz Felicity Huffman deixa tribunal em Boston após ser indiciada por pagar propina para que universidade aceitasse sua filha
A atriz Felicity Huffman deixa tribunal em Boston após ser indiciada por pagar propina para que universidade aceitasse sua filha - Gretchen Ertl - 3.abr.19/Reuters

Infelizmente, vivemos num país, e num mundo, onde as elites buscam a todo custo ainda mais benefícios para sua prole. Recentemente, alguns pais foram pegos tentando corromper o sistema de admissão de universidades americanas para encaixar seus filhos

A mobilidade social no Brasil é baixíssima. Quem vem de baixo só vê obstáculos à frente. Não é preciso criar mais artificialmente.

O Brasil foi o único lugar em que ouvi de um empresário que ele não queria que seu filho estudasse no exterior, pois, afinal, se ele não voltasse, quem tocaria a empresa? A preocupação era maior com a empresa do que com o futuro do filho. 

No fim das contas, deixar a melhor educação já é o suficiente (a não ser no caso de problemas de saúde). Não é preciso muito mais. Afinal, se seus filhos são inteligentes, eles não precisam de nenhuma herança. E, se forem ruins, vão destruí-la.

Só existem três razões para estar errado: ignorância, má-fé ou burrice. O primeiro caso se resolve com informação. Se a informação é clara e precisa e ainda assim a pessoa insiste no erro, pode colocar na conta: ou é falta de capacidade intelectual ou de caráter. 

Deveria ser fácil rir de quem acredita que os professores são doutrinadores comunistas, que estamos vivendo uma ditadura gay ou que o nazismo é de esquerda

Será que a falta de informação explica os comentários desmiolados dos chanceleres, ministros, conselheiros astrólogos e filhos do presidente? Temo que não.


 


 


 


 


 


 

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