Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

Os golpes sem golpistas

Padrão de queda de governo via mobilização social é claro, para o bem e para o mal

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É bom nos acostumarmos com o que aconteceu na Bolívia: golpes de Estado sem golpistas. Na história da América Latina, a regra sempre foi clara: a queda de um presidente é causada por alguém ou alguma instituição, como as Forças Armadas, articulando para tomar o poder.

Mas o exemplo boliviano é um dos caminhos abertos pelas grandes movimentações populares bottom-up (de baixo para cima): o golpe sem golpistas.

Os casos da Tunísia, da França, da Bolívia, do Chile e de Hong Kong são emblemáticos. Assim como nas manifestações brasileiras de 2013, as principais demandas começaram mais ou menos específicas, mas rapidamente explodiram para pedir a renúncia dos chefes de Estado. 

Os tunisianos conseguiram as eleições que queriam, Macron e Piñera conseguiram sobreviver e se manter no poder, Carrie Lam é hoje uma chefe de Estado zumbi, e Evo Morales não conseguiu resistir.

Em todos os casos há uma coisa em comum: ninguém por trás, inicialmente, tramando para chegar ao ​poder. Na América Latina, nossa paranoia, cheia de razão, não permite que esse resultado de manifestações seja tido como natural. 

Mas são três as razões para que isso fique mais comum. Primeiro, o avanço tecnológico tem permitido mobilizações gigantescas, com custos organizacionais baixos e decrescentes. Segundo, as vozes mais extremas têm ganhado participação desproporcional no discurso contemporâneo. Terceiro, do ponto de vista individual, pode fazer sentido a escolha por uma solução extrema, mesmo sem alinhamento ideológico.

A relação entre mudanças tecnológicas e facilidade de organização é evidente, desde fake news via WhatsApp até mobilizações relâmpago via Twitter ou grupos de Facebook.

No caso dos extremos ideológicos, quanto mais barulho um grupo fizer, maior o peso de suas opiniões sobre a formação de políticas públicas, seja o grupo representativo ou não.

Como exemplo, a maioria dos europeus é indiferente ao consumo de alimentos geneticamente modificados, mas uma minoria organizada conseguiu que a sua importação fosse proibida. Por aqui, até tresloucados contra vacinação e que acreditam numa terra plana ganham espaço.

Do ponto de vista individual, para alguém pobre, a altíssima variância pode ser escolha racional. Ou seja, se há dois oponentes, um moderado, com políticas calculadas para melhorar o país, e outro alucinado, prometendo mundos e fundos e com baixíssima credibilidade, pode fazer sentido votar no segundo, mesmo com pouquíssima chance de que suas promessas sejam cumpridas.

É como jogar numa loteria política: a chance de o político ser bom é uma em milhões, mas, ferrado, ferrado e meio.

Esse terceiro fator também modera o argumento de que a votação na extrema direita significa que os brasileiros compartilham os valores medievais do atual governo. Não é necessariamente verdade. O governo pode ter sido escolhido em parte por suas promessas irreais.

Outra dificuldade de análise é que as manifestações são multidimensionais. Ainda, a derrubada de um chefe de Estado via grupos populares traz à tona uma nova figura, a do aproveitador. Essa seria a pessoa, ou grupo, que enxerga o vácuo de poder e se coloca como nova autoridade. 

Pode ser que o primeiro aproveitador (no caso boliviano, a senadora Añez) não consiga, e que haja uma porta giratória até que alguém se estabilize no poder. Mas esse padrão de queda de governo via mobilização social é claro, para o bem e para o mal. E vai ficar mais comum.

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