Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan
Descrição de chapéu Itamaraty

Pária mundial

Pela 1ª vez nos mais de dez anos em que trabalho fora do país, Brasil desperta misto de espanto, escárnio e até raiva

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O Brasil está caminhando para virar um pária mundial. Pela primeira vez nos mais de dez anos em que trabalho fora do país, diplomatas, acadêmicos e empresários de outros países se referem ao Brasil com um misto de espanto, escárnio e até raiva, pois o governo federal coloca em risco a saúde global.

Como se pagar com a vida de nossos familiares não fosse caro o suficiente, vamos amargar por muito tempo, ainda, os prejuízos tanto no campo diplomático quanto comercial. Seremos colocados para escanteio em qualquer negociação multilateral e as empresas brasileiras perderão mercado.

Quando Hugo Chavez deu seu golpe na Venezuela, o presidente brasileiro o elogiou pela coragem de concentrar o poder. Pouco mais de vinte anos depois, o Brasil ruma firme e forte para virar uma Venezuela; empresas de lá exportaram, em 2019, antes da pandemia, somente 40% (U$14.7 bilhões) do que em 2000 (U$34.7 bilhões), primeiro ano completo de Chávez no poder.

Para as empresas brasileiras com poder de mercado ou que exportam produtos em escala que outros países não conseguem igualar, nada vai mudar muito. Mas para as quais os importadores têm opções, a demanda vai despencar: por que comprar de um país que é o celeiro de novas variantes de Covid-19 se há outras opções por aí?

Pior, relações comerciais não são frágeis, mas uma vez que se desfazem, é muito difícil recompô-las. Assim, se um importador tiver o costume de comprar de uma empresa brasileira, vai demorar para a empresa parar de comprar do Brasil, mas uma vez que isso é feito e um novo relacionamento é construído com um fornecedor de outro país, vai ser muito difícil para as empresas brasileiras reconquistarem o mercado perdido.

E os efeitos vão além do dano comercial. No passado, era só dizer que você é do Brasil que seu interlocutor abria um sorriso: “Futebol? Carnaval? Praia? Pelé? Neymar?” São raros os registros de brasileiros sendo maltratados no exterior por sua nacionalidade. Pelo contrário, o passaporte brasileiro sempre teve valor explícito, pela nossa política de reciprocidade, e implícito, pois brasileiros não sofrem discriminação em viagens de lazer e negócios (com raras exceções).

Mais ainda, um dos raros sucessos institucionais do Brasil esteve na sua diplomacia; o Brasil sempre se colocou como um país neutro em questões geopolíticas, sem assumir posições radicais nos conflitos globais desde a segunda guerra mundial (também, com raras exceções).

Escolhas como a de ser um dos países mais fechados do mundo para o comércio internacional sempre foram autônomas e mesmo com histórico de altíssimas barreiras comerciais, lideramos a OMC por sete anos. Historicamente, nossas participações em órgãos como Nações Unidas, Banco Mundial e outros sempre foram respeitadas. Não mais.

O presidente Jair Bolsonaro ao lado de Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores que deixou o cargo no fim do mês passado - Marcos Corrêa/PR

O dano é muito mais profundo do que o causado pelo radicalismo do chanceler que se foi; a perda de reputação é real. Diplomatas tendem a separar governo e Estado, assumindo que governos ruins sejam temporários e danos possam ser revertidos. Mas como celeiro de novas variantes do mundo, veremos o mundo fechar a porta para famílias e empresas brasileiras. O que mais o presidente precisa fazer para que a sociedade não aceite tê-lo no poder?

O espanto mundial com suas atitudes já virou escárnio, e está se transformando em raiva. A imagem do Brasil já está se acabando. O presidente acaba com nosso presente. E futuro.

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