Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

Round 6 retrata Coreia no limite do crescimento

Bem formados, coreanos disputam uns poucos bons empregos

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Na série "Round 6" e no filme "Parasita", que ganhou o Oscar, a Coreia é pintada como uma sociedade desigual, onde pobreza é comum e pessoas estariam dispostas a lutar até a morte por um prêmio milionário. Mas os dados macroeconômicos do país contam outra história. O país cresceu muito nos últimos 70 anos, extinguiu a extrema pobreza, e a desigualdade de renda não é alta. O coeficiente de Gini, indicador de desigualdade que vai de 0 a 1 —sendo que quanto menor, melhor— é de cerca de 0,34. Esse valor é basicamente o mesmo de Austrália, Itália, e Japão (todos com 0,33) e bem abaixo dos Estados Unidos (0,39), México (0,42), Chile (0,46) e Brasil (0,53).

O que explica a desconexão entre a percepção social e os dados econômicos? Em parte, a resposta está em um paradoxo: as políticas de educação da Coreia do Sul deram tão certo e as pessoas trabalham tanto, e tão bem, que a economia atingiu seu potencial e não tem como crescer muito mais.

Parece estranho, ainda mais no Brasil, onde o nível educacional é muito baixo, que seja possível políticas educacionais serem muito bem-sucedidas, mas essa é a realidade coreana. O país, cuja renda per capita era menor que a da Índia e menos de 50% da brasileira em 1950, enriqueceu por investimentos maciços em educação. O percentual dos adultos entre 25 e 34 anos com graduação completa é de 70%; o Canadá vem a seguir, com distantes 62% (nenhum país escandinavo bate 50% e, no Brasil, os valores são de 27% para mulheres e 20% para homens).

cenário colorido cheio de escadas
Cena da série 'Round 6' - Reprodução

A competição para entrar nas melhores universidades coreanas é brutal. A sigla SCY é usada para se referir às três principais instituições do país, as universidades de Seul, da Coreia e de Yonsei. Se formar em uma delas é garantia de emprego em uma grande empresa. Todavia, o problema não é só conseguir uma vaga. Depois, é difícil subir na empresa.

A cultura coreana (e asiática de forma geral) premia o número de horas trabalhadas e não o esforço individual. Isso significa que os coreanos são os que mais trabalham entre os países ricos, uma média de 1.908 horas por ano, de acordo com a OCDE (nos EUA, a média é de 1.767 horas por ano e, em Portugal, 1.613). Até pouco tempo, contratos podiam ter 68 horas de trabalho por semana. Há inclusive um termo para quem morre de tanto trabalhar: gwarosa.

O misto de culturas de trabalho e competição pelos melhores cursos universitários faz com que as famílias se considerem como ratos em esteiras motorizadas, correndo cada vez mais rápido para ficar no mesmo lugar.

É óbvio que os problemas coreanos são, literalmente, problemas de primeiro mundo. Quem dera o problema das famílias brasileiras fosse ter filhos estressados porque estão estudando demais. Mas a ansiedade das famílias coreanas com o futuro é real. Vejo algo similar na China, onde 11 milhões de estudantes fizeram o Enem do país, o gaokao, e 3,77 milhões o exame nacional para pós-graduação, em 2021. O maior medo de um jovem é não conseguir entrar em uma boa faculdade e, portanto, estar fadado a um subemprego.

Medimos sucesso não só pelo tamanho da conta bancária, mas em comparação ao que vemos ao nosso redor. Nos países asiáticos, o que as pessoas veem é uma montanha de gente bem qualificada, e um número reduzido de bons empregos. O sonho é um prêmio milionário que traga liberdade; mesmo que para isso seja preciso passar por cima dos outros.

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