Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Rômulo Saraiva
Descrição de chapéu inss

Bolsonaro deveria ser o primeiro a defender a revisão da vida toda

Trabalhadores contribuíram honestamente ao sistema previdenciário por décadas

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Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro enriqueceu seu currículo de frases questionáveis com uma chantagem emocional fajuta. Depois do Supremo Tribunal Federal ter aprovado a revisão da vida toda, Bolsonaro saiu com a pérola de que ela pode "quebrar o Brasil". Nessa linha de raciocínio, cada aposentado que viesse buscar seu direito na Justiça estaria indiretamente sendo partícipe na derrocada econômica do país.

A fala ocorreu seguida da justificativa de que a revisão acarretaria despesa de "300 e poucos bilhões de reais" aos cofres públicos. Além de apelativa, não é verossímil. Em 2020, o próprio INSS chegou a fazer estudo minucioso, por meio da Nota Técnica INSS SEI 4921, precificando o impacto. Seriam R$ 46,6 bilhões ao longo de dez anos, acrescidos de R$ 42,8 bilhões com pagamento de parcelas passadas e futuras. A soma não extrapolaria a casa de R$ 89 bilhões.

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Aposentados querem incluir salários em outras moedas no recálculo do benefício para ganhar mais - Gabriel Cabral/Folhapress

Em apenas dois anos, o Instituto refez toda sua matemática. O novo cálculo da Diretoria de Benefícios aumentou em quatro vezes a previsão inicial, estimando que a decisão favorável aos aposentados pode custar R$ 360 bilhões em 15 anos. O problema é que ninguém explica quais os critérios foram utilizados e, o principal, quanto o governo lucrou com as contribuições previdenciárias cobradas, mas desprezadas por 23 anos (1999-2022). Cabe salientar que a revisão só estaria acessível a segurados com menos de dez anos de aposentados e, mesmo assim, uma minoria desse contingente.

Se existe uma revisão que já foi previamente calçada de lastro financeiro é a revisão da vida toda. Afinal, a revisão leva esse nome justamente por que o segurado pagou a contribuição previdenciária durante toda sua vida profissional, mas o INSS ignorou os pagamentos anteriores a julho de 1994. Há quem diga que esse corte temporal foi propositalmente convencionado em lei para facilitar o cálculo da autarquia, já que antes do Plano Real havia miscelânea de moedas passíveis de conversão financeira, um complicador em demandas de massa, além de um sistema de informática que contabiliza contribuições a partir de 1982.

Não é a primeira vez que esses cálculos mirabolantes são apresentados em tom alarmista ao grande público. Na reforma da previdência de 2019, o rombo foi passado pelo INSS como sendo da ordem de R$ 319 bilhões. Após o anúncio, Bolsonaro na época não perdeu tempo e profetizou que, se a reforma não passar, vai faltar dinheiro para os salários. Desconfiada da lisura dos cálculos apresentados pelo INSS, a CPI da Previdência foi instituída por equipe multidisciplinar que dissecou por meses os números. E constatou estimativa tecnicamente imperfeita e não existência de déficit. O extremismo das contas serve para lançar questionamento sobre a metodologia usada, a falta de transparência do governo no trato desses números e o nítido propósito de usá-lo como forma de apelo social.

Por outro lado, apesar da aparente preocupação do governo com a solvência das contas previdenciárias, o mesmo tem tido conduta diversa na prática dos seus atos. Se houvesse de fato essa preocupação com o equilíbrio econômico-financeiro, Bolsonaro não teria tomado medidas que golpearam nos últimos anos a arrecadação da Previdência Social. Em 2019, a medida provisória n. 905, conhecida como "Carteira Verde e Amarela", isentou as empresas de pagarem a contribuição previdenciária. Nos anos de 2020 a 2021, a desoneração da folha permitiu às empresas substituir a contribuição previdenciária, de 20% sobre os salários dos empregados, por alíquota sobre a receita bruta, que varia de 1% a 4,5%. O corte no orçamento de gastos do INSS em 2022, por exemplo, enfraquece a estruturação dos servidores públicos federais no combate aos sonegadores da contribuição previdenciária.

Além disso, o governo não tem dado exemplo pois tem sido leniente com a inadimplência e a sonegação fiscal. As próprias empresas públicas estão acumulando débitos previdenciários e a União não tem pago sua cota em termos de contribuição direta ao sistema previdenciário na gestão tripartite.

Ao invés de criticar a revisão da vida toda, o presidente Jair Bolsonaro deveria ser o primeiro a defendê-la. Os trabalhadores contribuíram honestamente ao sistema previdenciário por décadas e no fim de suas vidas sofreram a pegadinha de usar somente parte do que pagaram. Não é demais lembrar que o presidente submeteu-se ao juramento constitucional consistente em "defender e cumprir a Constituição", além de "observar as leis". Nesse contexto, está na lei a necessidade de o aposentado receber a contraprestação daquilo que pagou. O INSS não vai gastar mais com a revisão, mas tão somente devolver em forma de parcelas a reserva matemática formada por toda uma vida. Como a revisão considera o passado contributivo, o chororô do governo recai em não querer devolver esse dinheiro.

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