A julgar pelos pulos, orações e os abraços apertados que a primeira-dama Michele Bolsonaro deu em André Mendonça quando virou ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), ficou evidente a intimidade do "terrivelmente evangélico" com a família presidencial.
Passada a fase de comemoração, Mendonça pega uma pedreira na área previdenciária. O ministro assumirá a relatoria da chamada revisão da vida toda, aquela que o presidente da República Jair Bolsonaro (PL) profetizou que, caso o Supremo aprove, pode "quebrar o Brasil".
A discussão consumiu nove meses de debate no plenário virtual da Corte e foi aprovada em favor dos segurados por votação apertada de 6 a 5. Porém, depois de todos os ministros já terem declarado seus votos, o assunto será julgado novamente sob a justificativa de que não pode ser apenas em ambiente virtual, mas em plenário físico. O julgamento, que não teve a participação dos dois ministros indicados por Bolsonaro, agora terá a participação deles, o que pode mudar radicalmente o placar, já que Mendonça entra no lugar de Marco Aurélio, que havia votado a favor dos aposentados.
Os dois ministros indicados por Bolsonaro estão agindo com atenção nesta revisão. Nunes Marques foi o responsável por fazer o pedido de destaque para reiniciar a votação via plenário físico. Ele deixou para fazer isso faltando 30 minutos antes do fim do prazo. Haja atenção!
Com o reinício do julgamento, o relator do caso será agora o ministro André Mendonça, aquele que teve a calorosa torcida da família Bolsonaro e que não tinha participado da primeira votação. Cabe lembrar que antes do Supremo, André Mendonça atuou no comando da Advocacia-Geral da União, instituição responsável por fazer também a defesa jurídica do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Quem busca a revisão da vida toda, necessariamente já pagou previamente as contribuições previdenciárias que a viabiliza. É que o INSS despreza os salários anteriores a julho de 1994 e o aposentado procura resgatá-los judicialmente no cálculo do benefício, desde que melhore a renda. Logo, todos que vão atrás da revisão já pagaram por ela.
Ainda assim, o governo federal encampou o discurso de que a revisão vai quebrar o Brasil. Se a fala do presidente estiver correta, tudo leva a crer que o novo ministro –íntimo da família e ex-defensor do INSS– tenha propensão de votar contra a revisão da vida toda, pois a um só tempo evitaria que Bolsonaro entrasse no "apuro financeiro" de administrar um Brasil "quebrado" e ainda defenderia o INSS, de quem já foi um dia o principal defensor.
Por isso, a relatoria do caso nas mãos de André Mendonça foi anunciada como um balde de água fria para quem torce a favor da revisão. Como as circunstâncias do julgamento mudaram, inclusive com a chegada de novos integrantes e intervenções jurídicas inusitadas, a esperança dos aposentados estaria em os ministros Dias Toffoli, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Luiz Fux mudarem seus votos no novo julgamento. A lei autoriza. Com ares de conspiração, essa reviravolta não pegou bem no mundo jurídico. E possivelmente será o único caminho de se preservar no plenário físico aquilo que foi decidido no plenário virtual do Supremo.
Certa vez a ministra aposentada do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Eliana Calmon, pontuou que a "nomeação [de um ministro] é um processo eminentemente político", já que ela contou com a ajuda dos políticos para chegar à cúpula do Judiciário. Se ela estiver certa, a revisão da vida toda pode ser uma das moedas de gratidão que o relator André Mendonça terá com a família Bolsonaro.
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