Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Nova lei dificulta concessão judicial do auxílio-doença

Mais da metade de todos os benefícios negados pelo INSS são benefícios por incapacidade

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Recife

Do rol de benefícios concedidos pelo INSS, existe um que é o campeão. O benefício por incapacidade temporária, conhecido como auxílio-doença, responde por cerca de 40% de todas as concessões liberadas nas agências do país. Também é o mais negado.

Conforme o último boletim estatístico da Previdência Social, de fevereiro de 2022, o benefício por incapacidade corresponde no ano de 2021 ao contingente de 57% de todos os indeferidos. Por ter doença como principal fato gerador, necessita do crivo do médico perito para obtenção de laudo que embasará a concessão ou indeferimento.

Agência do INSS na zona sul da capital paulista - Rivaldo Gomes/Folhapress

E termina abarrotando a agenda do serviço pericial, além da do poder Judiciário, que costuma resolver os pedidos de quem teve um indeferimento administrativo. Recém-criada, a lei 14.331 inova em exigir requisitos para quem for contestar o auxílio-doença na Justiça. Indiretamente, é uma forma de dificultar o acesso do trabalhador, doente e incapacitado, para obter o pagamento via Judiciário.

As novas exigências da lei deixam claro que o processo judicial, que trate de discussão de ato praticado pela perícia médica federal, só será aceito se contiver na queixa os seguintes requisitos:

  • descrição clara da doença e das limitações que ela impõe;
  • indicação da atividade para a qual o trabalhador alega estar incapacitado;
  • possíveis inconsistências da avaliação médico-pericial discutida no INSS;
  • declaração quanto à existência de ação judicial anterior sobre o mesmo caso

Em princípio, esse assunto de ordem processual deveria ser uma preocupação específica dos advogados, na hora de elaborarem a reclamação em favor do seu cliente. Além dos representantes legais, o segurado também terá obstáculo pela frente. É que os novos requisitos perpassam principalmente pela necessidade de esclarecer via opinião médica as limitações que a doença impõe e a indicação da atividade para a qual o segurado alega estar incapacitado. Esses dois requisitos precisam ser elucidados por profissional da área da saúde, no caso o médico, pois a nova lei de pouco teria serventia se esse tipo de exigência fosse sanável apenas com a informação unilateral do próprio interessado ou do seu advogado.

Normalmente é o médico quem tem o conhecimento para mensurar o nível de limitação que uma doença causa na atividade profissional ou quais as possíveis inconsistências da avaliação médico-pericial, já que este procedimento do INSS é um ato sigiloso e não costuma ter a participação de testemunhas.

O problema é que muitos médicos já não colocam no laudo ou atestado informações triviais, inclusive determinadas pelas normas do Conselho Federal de Medicina (resoluções 1.851/2008 e 2.183/2018). Exemplo disso é a falta frequente de informações nos laudos acerca da durabilidade da doença incapacitante, o CID (Código Internacional de Doenças), o carimbo do conselho de classe e o registro dos dados de maneira legível. A partir do momento em que a nova lei faz essa exigência como requisito processual, o segurado ganha um problema para se socorrer ao Judiciário, pois dependerá da boa vontade do médico em retificar o laudo ou do juiz em fazer vista grossa para tal exigência.

Não é raro encontrar situações em que o médico recuse preencher com riqueza de detalhes –no laudo ou no atestado– as circunstâncias pelas quais ocorreu o adoecimento, a própria incapacidade, o nível de incapacidade, a duração do tratamento e a repercussão da doença na atividade profissional. Quando o médico não aceita corrigir o laudo médico, o segurado pode denunciá-lo no Conselho Regional de Medicina. No entanto, caso a providência seja feita, vai se obter a antipatia do médico e possivelmente não irá contornar o laudo em curto espaço de tempo, pois o segurado tem urgência em ter a descrição dos dados para receber mais rapidamente a renda da Previdência Social.

A recusa poderá ensejar a necessidade de buscar o parecer de outro médico. Considerando pessoas de baixa renda, que dependem do Sistema Único de Saúde, uma nova consulta médica pode demandar meses. E se o segurado tiver recurso para ir até um médico particular ensejará gasto financeiro.

As discussões judiciais que avaliam o acerto ou desacerto do INSS em negar a incapacidade laboral do segurado costumam atrair a opinião de médico perito do próprio poder Judiciário, para dirimir quem tem a razão. E, portanto, esse profissional poderia esclarecer perfeitamente no curso do processo os pontos colocados na nova exigência legal. Com a criação da lei 14.331/2022, a sensação que se tem é que ela foi criada justamente para ser um obstáculo para quem almeja receber auxílio-doença ou mesmo aposentadoria por incapacidade permanente pela via judicial, já que é um dos benefícios que mais abarrotam o Judiciário. Na minha opinião, a lei é inconstitucional por criar embaraço para quem necessite ter acesso aos tribunais brasileiros.

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