Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Rômulo Saraiva
Descrição de chapéu inss

Bolsonaro gastou no cartão o equivalente a 25 mil aposentadorias do INSS

Gastos milionários contrastam com a reforma previdenciária dura que o ex-presidente encabeçou

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Enquanto esteve à frente do governo, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) elaborou a proposta de uma das mais austeras reformas da previdência, cuja principal promessa era o combate aos privilégios. Em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, o ex-presidente prometeu em 20 de fevereiro de 2019 que "a nova previdência será justa para todos, sem privilégios, ricos ou pobres".

Sempre foi apregoada a necessidade de todos fazerem sacrifício. Não demorou muito para descobrir que era demagogia. Com o fim do governo, veio à tona os gastos milionários que o mesmo Bolsonaro realizou com o cartão corporativo: cerca de R$ 27,6 milhões ou R$ 32,6 milhões (atualizados pela inflação). Se fosse usado no caixa do INSS, esta quantia corresponde ao pagamento de 25.038 aposentados no valor de um salário mínimo.

O que foi gasto em quatro anos no cartão também seria suficiente para bancar a renda de 4.342 aposentados do INSS ganhando pelo teto máximo, hoje R$ 7.507,49. Ou se for considerar que o homem se aposenta aos 65 anos e tem uma expectativa de vida até os 77 anos, conforme dados do IBGE, o valor cobriria a conta de 19 aposentados vivendo por 12 anos com o valor máximo do INSS, com correções generosas de 7% a cada ano.

O ex-presidente Jair Bolsonaro passeia de jet-ski no lago Paranoá, às margens do Palácio da Alvorada - Evaristo Sá - 15.mai.22/AFP

Em qualquer cenário, as despesas realizadas pelo ex-presidente com alimentação, transporte e hospedagem são estarrecedoras, principalmente para uma pessoa que se dizia ser o representante do combate à corrupção e a defensora do fim dos privilégios, inclusive os previdenciários. A aparência de andar com caneta BIC ou ter relógio barato é coerente com a ideia de humildade e de sacrifício geral, mas basta uma análise mais acurada para ver que as contas do ex-presidente não são nada franciscanas, principalmente se o assunto for panificação. Parece que Bolsonaro é meio descontrolado quando entra numa padaria. Em maio de 2019, apenas numa padaria do Rio de Janeiro ele gastou R$ 55,2 mil. Também gastou R$ 62 mil noutra padaria em Santa Catarina, além de R$ 362 mil em outra padaria.

Não que os ex-presidentes Lula, Dilma e Temer não gastassem muito com o cartão corporativo. Se atualizados, os gastos dos antecessores são maiores. Todavia, o choque de realidade se dá pelo fato de Bolsonaro ter encabeçado uma reforma da previdenciária extremamente dura, apregoando o combate ao privilégio e sacrifício coletivo, quando ele mesmo fez uma farra com o cartão corporativo; digna de deixar qualquer milionário com inveja.

Fora o cartão corporativo, a situação previdenciária do ex-presidente também cobiça muito aposentado.

Desde 1988, quando Bolsonaro tinha apenas 33 anos de idade, ele já recebia todo mês uma gorda renda previdenciária, atualmente em R$ 11.945,49, na condição de capitão da reserva do Exército. Com exceção dos casos de aposentadoria por invalidez e especial em raras exceções, incogitável alguém no INSS se aposentar tão novo.

Embora Bolsonaro tenha desde 2019 elegibilidade para se aposentar como deputado federal, somente deixou para fazê-lo em 2022, perto de encerrar seu mandato, já que não pegaria bem para ele se aposentar com renda de R$ 30.934,70 antes da sua reforma. Somadas, as duas rendas correspondem a R$ 42 mil por mês. Pouquíssimos aposentados no Brasil ganham esse valor mensal. É um privilégio de poucos!

O paradoxo é que a reforma da previdência castiga as pensionistas que acumulam mais de uma renda previdenciária, causando prejuízo de até 90% no segundo benefício. No entanto, no caso do ex-presidente Bolsonaro, ele afirmou no passado que o sacrifício seria realizado por todos, ricos ou pobres, mas ele mesmo recebe duas rendas em valores elevados.

Além dos proventos previdenciários que Bolsonaro recebe por ter contribuído como militar e congressista, ninguém imaginaria que os gastos do cartão de crédito também fossem suficientes para em tão pouco tempo assegurar a aposentadoria de dezenas de pessoas, justamente numa época de sacrifício geral e de combate aos privilégios.

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