Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ronaldo Lemos

O celular dos pobres

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quem já tem boa conexão à internet às vezes esquece que há bilhões de pessoas no mundo que estão desconectadas ou utilizam celulares velha guarda, que não são nada “smart”. 


No Brasil mesmo há mais de 70 milhões de pessoas sem conexão à rede. Dentre os conectados, a maioria absoluta não tem dinheiro para comprar um smartphone de última geração, utilizando modelos mais antigos e baratos.


Foi pensando nesses bilhões de sub-desconectados que surgiu a empresa KaiOS, que criou um sistema operacional capaz de transformar celulares muito baratos em smartphones. A empresa deu tão certo que o KaiOS já se tornou o terceiro sistema operacional mais usado no mundo, atrás do Android e do iOS da Apple. No entanto, em países como a Índia, o KaiOS já é o segundo mais utilizado, deixando a Apple em terceiro lugar.

Sistema KaiOS tem ajudado celulares mais simples - Gabriel Cabral/Folhapress


A história do KaiOS é interessante. Ele foi criado em 2017 a partir de uma versão antiga do FirefoxOS (criado pela Mozilla) que foi descontinuado. 


Como o código era aberto, a KaiOS viu uma oportunidade de se apropriar dele, com uma mudança de rumo voltada à base da pirâmide social. 


A missão da empresa é exatamente essa: permitir que modelos antigos e baratos de celular possam operar com várias das funcionalidades dos smartphones (aplicativos de vídeo, de mapas, redes sociais etc.). 


Enquanto celulares antigos (“feature phones”) operavam apenas em redes 2G, essa nova geração de aparelhos baratos opera normalmente nas redes de 4G (e em breve no 5G).


Esse novo modelo deu certo e vem crescendo não só na Índia e na África, mas também no Brasil. Especialmente por causa do declínio econômico dos últimos anos, muita gente está se voltando para os celulares mais baratos. 


A KaiOS percebeu essa oportunidade e fez parceria com duas marcas de celular brasileiras, Positivo e Multilaser. O preço desses aparelhos varia de R$ 190 a R$ 260 (parcelados em até 12 vezes). Para uma enorme parte da população brasileira, esses são os únicos tipos de celular economicamente acessíveis. 
 

E é essa população que teve um significativo upgrade com o novo sistema operacional, passando a ter acesso a serviços antes indisponíveis.


A ascensão do KaiOS ensina algumas boas lições. A primeira é o poder dos modelos “open source” de desenvolvimento de software. Um software como o KaiOS habilita a fabricação de centenas de milhões de aparelhos, movimentando uma cadeia gigantesca e gerando muitos empregos. 


Outra lição é que a base da pirâmide social, apesar de ser o segmento mais numeroso do planeta, ainda carece de inovação. A maior parte das empresas de tecnologia pensa em inovação para o topo da pirâmide social, que já é superatendido nesse quesito. Já a base mais pobre permanece um oceano em aberto para inovação. 


Por fim, inovação que começa para os mais pobres pode depois escalonar para segmentos mais endinheirados. O KaiOS, por exemplo, já criou sua própria loja de aplicativos. Várias ideias que estão surgindo através dela são depois aplicáveis a outros segmentos econômicos. Em outras palavras, eficiência e boas ideias são sempre itens de interesse universal.
 

Reader

Já era O alemão Martin Heidegger como filósofo mais conhecido da tecnologia
Já é O israelense Yuval Noah Harari como o filósofo da tecnologia do momento
Já vem O chinês Yuk Hui como o mais intrigante e sofisticado filósofo da tecnologia (e que dá palestra hoje às 18h30 na UFRJ)

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.