Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

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Ilusionismo não funciona contra Covid-19

As pessoas querem leitos de hospital, e não manipulação nas redes sociais

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O governo federal tem adotado como prática de comunicação social no Brasil o ilusionismo. Em vez de lidar com fatos e dados, tornou-se comum no país promover uma irrealidade informacional.

Só que, diferentemente do papel que o ilusionismo tem no entretenimento (quem não gosta de um bom show de mágica?), quando aplicado como estratégia de comunicação pública e de fazer política as consequências são desastrosas.

A Covid-19 é o exemplo mais recente e trágico disso.

Live do presidente Jair Bolsonaro na semana passada, em que ele usou máscara
Live do presidente Jair Bolsonaro na semana passada, em que ele usou máscara - Reprodução


Converse com qualquer mágico profissional e ele pode falar das suas estratégias. A primeira e mais importante é dominar a arte da atenção. Ao contrário do que se pode pensar, a chave não é distrair as pessoas. É, ao contrário, capturar a atenção delas para o lugar errado.

Se você está concentrado olhando para o lugar errado, eu posso fazer o que quiser aqui no lugar certo. Esse é o princípio que o ilusionista usa para fazer mágica. E é o princípio que vem sendo usado por governos populistas para avançar agendas improváveis ou para disfarçar a sua incompetência.

Há outras estratégias derivadas do ilusionismo que vão soar familiares para todos nós. Por exemplo, fazer um evento parecer mais importante do que realmente é. Ou o contrário: dar a impressão de que um evento relevante não tem importância nenhuma.

Essas estratégias se valem do princípio de que é da natureza humana não conseguir prestar atenção em mais de um grande estímulo ao mesmo tempo. Com isso, é muito fácil fazer as pessoas trocarem de preocupação ou de indignação.

Se as pessoas estão indignadas com algo realmente sério, ofereça a elas algo novo e muito menos importante para se indignarem. Essa estratégia tem sido aplicada à exaustão.

No início da semana passada, por exemplo, a Covid-19 foi chamada de “fantasia” (tratando algo sério como se não tivesse importância). Ao final, a semana foi coroada com a distração a respeito de quem teria falado o que para a Fox News com relação ao resultado dos exames do presidente.

De novo, essa polêmica de menor importância permitiu desviar a atenção para o que realmente deveria ter sido feito: todos os integrantes da comitiva presidencial que viajaram no mesmo avião com uma pessoa infectada devem ser colocados em quarentena por no mínimo 14 dias —o que não aconteceu.

A polêmica da Fox News habilmente tirou a atenção do que o presidente e sua comitiva deveriam ter feito após circularem e viajarem com pelo menos três pessoas infectadas.

Nesse contexto, vale sempre lembrar da seguinte regra: sempre que as mídias sociais estiverem tomadas por um assunto que surge de repente e que “todo o mundo” está falando a respeito, desconfie.

Esse pode ser o sintoma de que tem alguém querendo mudar o foco da atenção das pessoas de um lugar para outro.

Nesse contexto, a Covid-19 pode marcar no Brasil o início do esgotamento da prática do ilusionismo governamental, que até agora vinha sendo bem-sucedida. Em face da realidade do novo coronavírus as pessoas querem leitos de hospital, e não manipulação nas redes sociais.

Reader
Já era mundo em que tudo parecia “normal”

Já é cidades, ruas e lugares públicos vazios

Já vem infraestrutura da internet lotada em níveis recorde pelo número de acessos e uso de vídeo e de games

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