Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Descrição de chapéu Partido Republicano

A boa notícia na Geórgia que é má notícia para Trump

Mesmo numa triste semana para os EUA uma área de nossa vida comum parece um pouco melhor

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Esta é uma coluna sobre boas notícias, escrita à sombra da pior notícia imaginável.

Assim como muitas pessoas, a chacina de crianças em Uvalde, no Texas, é a única coisa sobre a qual leio há vários dias. Mas à medida que eu me banhava no horror –e, cada vez mais, me enfurecia com a reação da polícia– também tomei consciência do modo como nossa experiência de mídia funciona hoje, como somos constantemente reciclados de uma crise para outra, cada uma delas aparentemente existencial e no entanto aparentemente esquecida quando a roda gira e as manchetes mudam.

Mudança climática, racismo estrutural, masculinidade tóxica, desinformação online, violência armada, violência policial, o próximo golpe de Trump, a última variante da Covid, a morte da democracia, a mudança climática de novo. Essa é a lista de crises dos progressistas; a dos conservadores é diferente.

O governador da Geórgia, o republicano Brian Kemp, discursa em evento de campanha, em Atlanta
O governador da Geórgia, o republicano Brian Kemp, discursa em evento de campanha, em Atlanta - Elijah Nouvelage - 23.mai.22/AFP

Mas para todo mundo há relativamente poucas chances de reconhecer quando alguma coisa realmente melhora. Então, minha coluna será sobre a escuridão no Texas e a possível reação política. Quero reconhecer que numa outra região de agitação existencial as coisas melhoraram significativamente.

Na Geórgia, estado no centro da tentativa do 45º presidente dos EUA de contestar a vontade pública e continuar no cargo, houve duas disputas primárias republicanas que serviram como referendos para o pedido de Donald Trump a autoridades do Partido Republicano para que elas o acompanhassem numa crise constitucional –e nas duas o candidato dele perdeu feio.

A corrida de maior destaque foi a batalha pela nomeação para o governo, entre Brian Kemp e David Perdue, que Kemp venceu com uma vantagem extraordinária. Mas a mais importante foi a primária republicana para secretário de Estado, na qual Brad Raffensperger, alvo especial das táticas violentas de Trump e depois seu inimigo público, derrotou Jody Hice, o candidato de Trump –e sem segundo turno.

Provavelmente, alguns votos de democratas ajudaram a lhe dar mais de 50%, mas a maioria de seus eleitores foi formada por republicanos que escutaram o discurso constante de seu adversário sobre fraude eleitoral e decidiram ficar com o cara que enfrentou Trump.

A vitória de Kemp era esperada; a vitória fácil de Raffensperger, menos, e certamente não era esperada nesta época no ano passado. Então, se você indicasse que todos os republicanos em cargos que realmente importavam depois da eleição de 2020, em diversos estados e órgãos, fizeram seu trabalho e não quiseram seguir com Trump, a resposta habitual era que isso podia ter acontecido uma vez, mas não aconteceria de novo, porque a inimizade com Trump era um fim de carreira garantido.

Agora essa narrativa foi explodida, felizmente. Qualquer republicano em um cargo chave num estado oscilante em 2024 pode olhar para Kemp e Raffensperger e saber que eles têm futuro na política republicana se, no caso de uma eleição contestada, simplesmente fizerem seu trabalho.

Além disso, a votação primária na Geórgia teve um recorde de comparecimento em votos antecipados e nenhuma evidência de empecilhos significativos para votar, o que implodiu uma narrativa de crise diferente que dominava a esquerda –e a América corporativa e a Casa Branca de Biden– quando o estado aprovou novos regulamentos eleitorais no ano passado. Segundo essa narrativa, ao tentar abordar a paranoia de seu próprio eleitorado, os republicanos estavam essencialmente retirando direitos eleitorais, até mesmo recriando as leis racistas chamadas de "Jim Crow" –"com esteroides", para citar o presidente.

Havia poucas boas evidências para essa narrativa na época, e ainda menos evidências na taxa de comparecimento para a primária na Geórgia, onde os números de eleitores antecipados foram mais altos que em 2020. "Jim Crow com esteroides" deveria ser riscado do ciclo de crises; ele não existe.

Por outro lado, o risco trumpiano, o risco de subversão eleitoral e crise constitucional, ainda existe. A recente vitória de Doug Mastriano nas primárias na Pensilvânia prova isso, e pode haver outros indicados em estados oscilantes sobre os quais não há certeza se imitarão Kemp e Raffensperger na hora H.

Mas os resultados na Geórgia provam que a facção que eleva figuras como Mastriano não tem um veto simples no partido. Mostra a eficácia do que poderia ser uma estratégia de "ficar e governar" para lidar com o poder de Trump entre os republicanos, com ampla aplicação conforme o partido avança para 2024.

E indica os limites do pensamento tudo-ou-nada que uma mentalidade de crise impõe. Posso imaginar um cronograma alternativo em que Raffensperger renunciasse ao cargo em vez de se apresentar à reeleição, fechasse um acordo com a MSNBC, transformasse seu livro subsequente num best-seller no estilo de tantos do governo Trump e adotasse temas do governo Biden para denunciar as leis eleitorais da Geórgia.

Esse cronograma teria sido inquestionavelmente melhor para a conta bancária da família Raffensperger e teria levado muitos progressistas a saudá-lo como um perfil de coragem republicana. Mas para todos os demais –os georgianos, o Partido Republicano, o país–, esse cronograma teria sido pior. Mas como ele ficou no partido, disputou e venceu, mesmo numa triste semana para os EUA uma área de nossa vida comum parece um pouco melhor, e uma de nossas crises deveria parecer um pouco menos terrível.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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