Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Ross Douthat

Como as midterms se tornaram reflexo da tendência de impasse na política americana

Padrão indica falhas reiteradas dos dois maiores partidos e um misto característico da sociedade do país

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The New York Times

Esta coluna se propõe a trazer muitos poucos dados como números e previsões de resultados eleitorais, mas a semana das midterms constitui uma exceção necessária. Resisti à tentação de fazer muitas previsões específicas sobre as midterms de 2022, mas os eleitores certamente puderam detectar o que eu antevia.

Minhas colunas antes das eleições deram mais destaque aos problemas que afligem o Partido Democrata que às dificuldades do Partido Republicano, e, quando The New York Times pediu aos colunistas que prognosticassem o resultado de uma única disputa, previ que o vencedor na Pensilvânia seria Mehmet Oz (ha!).

Não antevi um tsunami republicano, mas quando as pesquisas de opinião apontaram para a diminuição da diferença, após o Dia do Trabalho [4 de setembro], achei que dar dois ou três pontos extras aos republicanos, como um todo, e prever que eles venceriam a maioria das disputas apertadas para o Senado seria uma aposta razoável.

Eleitores depositam voto em urna durante eleição de meio de mandato em escola na Virgínia, nos Estados Unidos - Ryan M. Kelly - 8.nov.22/AFP

Não foi, e mais uma vez ficou claro que não sou um "superprevisor" (termo cunhado por Philip Tetlock para descrever analistas que são muito bons em prever resultados específicos), e sim um tipo mais comum de "supercorretor", que, quando é hora de prever o próximo resultado eleitoral, sempre tende a achar que o anterior foi um pouco mais significativo do que foi na realidade.

Assim, pelo fato de o establishment republicano ter conseguido fazer Mitt Romney ser aprovado na primária em 2012, previ que ele conseguiria impedir a indicação de Donald Trump em 2016. Porque Barack Obama derrotou Romney facilmente, imaginei que Trump também perderia para Hillary Clinton.

Depois, devido ao fato de as pesquisas nacionais, contrariando a visão generalizada, terem sido bastante precisas em relação à vitória inesperada de Trump em 2016 —dando a Hillary uma dianteira pequena no final, não uma vantagem grande—, imaginei que seriam bastante precisas em 2020 e supus que a disputa estaria praticamente perdida para Trump, quando na realidade ele se manteve competitivo até o final. E finalmente, porque tantas pesquisas em 2020 subestimaram a resiliência do Partido Republicano, desconfiei que veríamos um efeito semelhante em disputas quase empatadas em 2022, mas errei novamente, vendo os democratas se saírem muito melhor desta vez.

Na maioria desses casos, minhas previsões eleitorais teriam se beneficiado de menos análise de pesquisas e mais análise do quadro maior. Afinal, um dos temas mais amplos do qual escrevo com frequência é o poder da paralisia e do impasse na vida ocidental, e reiteradas vezes na política americana vemos essa tendência ao impasse se reafirmando, contrariando as expectativas de uma vitória arrasadora de um lado ou de outro.

Assim, em 2016 poderíamos haver pensado que se os republicanos indicassem Trump como seu candidato, os democratas iriam arrasá-los, mas o preço da impopularidade de Trump mostrou-se muito menor do que se imaginava. Em 2022 poderíamos ter conjecturado que se a inflação subisse muito e o índice de aprovação de Biden permanecesse baixo, os republicanos certamente seriam os grandes vencedores, mas em vez disso os democratas parecem tê-los enfrentado pau a pau até chegar a um quase empate.

E esse padrão se mantém mesmo quando ocorrem crises inesperadas e gravíssimas, como uma pandemia do tipo que (se Deus quiser) só se vê uma vez em cada geração. Muitos progressistas esperavam que Trump fosse totalmente repudiado por seu tratamento desastroso da Covid, mas em vez disso ele apenas foi derrotado por uma margem normal, modesta.

Depois, baseados no que ocorreu na disputa pelo governo da Virgínia em 2021, muitos conservadores previram um repúdio semelhante aos democratas que erraram por exagerar nas restrições contra a pandemia –mas, em 2022, muitos eleitores pareceram já ter deixado isso para trás.

O padrão do impasse não é questão de apenas falhas reiteradas dos dois partidos. Ele reflete um misto que é característico da sociedade americana de hoje: repetições destituídas de imaginação e formas de eficiência um tanto destrutivas.

As repetições vêm de políticos que não conseguem pensar mais além do caminho que levará a uma maioria de apenas 51%, que não são capazes de dar os saltos que seriam necessários para recriar uma coalizão como a de Reagan, o que dirá uma coalizão rooseveltiana, e que têm dificuldade em governar nas condições mais amplas de estagnação econômica e insatisfação social e espiritual.

E a repetição também se deve à estrutura da polarização no Ocidente, que cada vez mais opõe partidos populistas a meritocráticos, com os primeiros constantemente prejudicando a si próprios com incompetência e insensatez e os segundos fazendo o mesmo com sua arrogância tecnocrática, num movimento que se repete e no qual eles se reforçam mutuamente.

Mas as eficiências também têm importância. Na coluna da semana passada, citei um ensaio de Derek Thompson sobre como o beisebol profissional foi parcialmente estragado por nerds acumuladores de dados que trataram o esporte "como uma equação otimizada para Y, resolvida para X, e nesse processo provaram que um esporte resolvido é um esporte pior".

A analogia com a política é um pouco inexata, mas há um modo no qual algo semelhante ocorre hoje com os estrategistas e ativistas de ambos os partidos. Os estrategistas são muito bons em nunca deixar muitos votos sobre a mesa, maximizar a participação dos eleitores e a mobilização das bases, dentro das restrições mais amplas que acabo de descrever. Os ativistas são muito bons em fazer pressão constante sobre a liderança dos partidos para irem tão longe quanto possível em sua direção preferida e são cada vez melhores em criar pressões interligadas, todos os diferentes grupos ativistas reforçando as mensagens uns dos outros –a American Civil Liberties Union soando como a Planned Parenthood, com ecos do Sierra Club, por exemplo. E, como os analistas de teoria quantitativa que esquadrinham as estatísticas do beisebol, juntos eles criaram uma forma mais eficiente e ideologicamente coerente de política nacional que provavelmente é prejudicial para o país como um todo.

Esse foi um dos elementos da atração peculiar exercida por Trump, especialmente em 2016, mesmo sobre algumas pessoas que se opunham a ele: o fato de ele ter resistido aos estrategistas e patrulheiros ideológicos do Partido Republicano e ganhado assim mesmo, comprovando que um estilo político mais imprevisível, mais avesso à categorização, ainda podia ser muito bem recebido na América.

Depois daquele choque inicial, porém, o trumpismo fracassou de todas as maneiras em descobrir uma saída real do impasse. A pergunta que se coloca agora para os eleitores republicanos é se eles pensam que isso vai mudar de alguma maneira —se o caminho vai se alargar, deixando antever um amanhã ensolarado— se eles derem mais uma chance a Trump.

Tradução de Clara Allain

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