Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Há dias, confessei aqui minha sesquipedal ignorância sobre o que se passa em certas correntes da música popular. Anitta, por exemplo. Com o país e o mundo aos seus pés, eu devia ser a única criatura sobre a Terra que ainda não a tinha escutado, visto ou lido a respeito –aliás, não sabia nem com quantos tês se escrevia seu nome. Bem, finalmente assisti ao seu clipe "Vai, Malandra" –o que, tendo me exigido um ou dois neurônios, já me tornou uma autoridade em Anitta.

A alienação pode ser uma bênção, e estou para conhecer um caso mais agudo que o de meu fisioterapeuta Bernardo, 35, encarregado de manter meu úmero funcionando. Chamá-lo de profissional dedicado é pouco. Para ele o mundo se compõe de ossos, músculos, ligamentos, cartilagens e tendões sujeitos a traumas, próteses e osteo-sínteses, e é isso aí. É uma autoridade no manguito rotador, e não há ite –tendinite, bursite ou capsulite– que o impressione.

Não adianta perguntar a Bernardo sobre Tolstói, Kafka ou Joyce –os únicos livros que já leu tratam de anatomia, biomecânica e fisiologia. Sua reputação no mercado faz com que o vivam chamando para tratar de celebridades de visita, como a cantora Lady Gaga, a tenista Anna Kournikova, a banda Aerosmith. Ao sair para atendê-los, Bernardo mal sabe quem são, mas logo será capaz de discorrer sobre seus bíceps e tríceps, sacros e ilíacos, escápulas e epicôndilos, cóccix e ísquios.

Bernardo sabe tudo isso porque não se ocupa com o dia a dia. Passa ao largo de jornais, TV e redes sociais. Se algum dia ouviu falar de Temer ou Dilma, não registrou. O próprio Lula, ele só conhece de nome, pelo barulho que fazem a seu respeito. Mas não se deu à pachorra de interromper as suas consultas para acompanhar o julgamento da última quarta-feira (24).

Se resultar em alguma coisa, um dia ele saberá.

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