Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ruy Castro
Descrição de chapéu

Razão em não querer tê-la

Correspondência entre pintados para a guerra

Ferreira Gullar durante a nona edição da Festa Literária Internacional de Paraty
Ferreira Gullar durante a nona edição da Festa Literária Internacional de Paraty - Leticia Moreira -8.jul.2011/Folhapress

O grande poeta é aquele que nos diz coisas que não sabíamos ou não tínhamos pensado e, de repente, abrem clareiras no nosso entendimento. Não precisa fazer isso em versos. Pode fazê-lo também numa crônica de jornal, numa mensagem de e-mail ou num bate-papo de botequim —basta que o faça de maneira concisa, precisa e original, como é obrigação dos poetas. Ferreira Gullar era esse poeta. Em seus últimos anos de vida, ele revisou muitas das lutas em que se meteu e, subitamente cansado, concluiu que “não queria ter razão —queria ser feliz”.

Gullar morreu há pouco mais de um ano, sem imaginar que, em tão pouco tempo, o Brasil veria multiplicar o número de seus habitantes que não querem ser felizes —só querem ter razão. Eles estão em toda parte, principalmente nas redes sociais, e não há assunto sobre o qual não se dediquem a comentar, condenar, contestar, desmentir, desdenhar, rejeitar, reprovar, desqualificar. E, se possível, interditar, censurar ou proibir seja o que for que alguém pense, desde que de maneira diferente da sua.

Pena que, na maioria dos casos, essas opiniões não venham organizadas de maneira adulta e arrazoada —afinal, não querem ter “razão”?—, com palavras corretas, adequadas e, de preferência, envoltas em papel de bala. Ao contrário, vêm na língua mais estropiada, furibunda e irracional possível, como se seus usuários vivessem pintados para a guerra.

Esse tiroteio de mensagens hostis e ofensivas não contribui para a razão que, supõe-se, se poderia extrair de uma discussão civilizada. Ao contrário, dissemina um ódio surdo e subterrâneo —insensato—, protegido pelo anonimato. E não se trata de perguntar o que acontecerá quando esse ódio vier à tona. Ele já está à tona.

Gullar tinha razão em não querer tê-la. É melhor ser feliz.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.