Meu dentista, dr. Americo, telefonou para adiar uma consulta que havíamos agendado. Tinha de ir a um sepultamento. Tudo bem. Americo já me atendeu em inúmeros sábados, domingos e feriados. Faz isso com todo mundo. É um santo da especialidade e, quando se trata de seus clientes, excede muitas vezes a simples dedicação profissional.
O sepultamento era o de uma velha paciente sua, uma senhora viúva e sem filhos, dona de um cachorro. Dez anos atrás, ela lhe dissera que o psiquiatra, para curá-la de uma depressão, aconselhara-a a adotar um cachorro. Ela comprara um lulu da Pomerânia, dera-lhe o nome de Rubi e insistia em que ele, dr. Americo, fosse o padrinho de batismo de Rubi.
Americo não pôde recusar e, no domingo seguinte, lá estava ele na praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, pronto para levar Rubi à pia batismal do querido padre Jorjão, num batismo coletivo de cachorro. Apenas recusou-se a levar o lulu num carrinho de bebê, como sua dona queria. Levou-o no colo, mesmo, e assim Rubi recebeu o sacramento. Passaram-se nove anos e nove festinhas de aniversário de Rubi, a que Americo teve de comparecer munido de presente, cortando o bolo e cantando parabéns. São sagrados os deveres de um padrinho.
Aconteceu que, há pouco, Rubi morreu de madrugada, e Americo, avisado por telefone pela empregada da senhora, foi encarregado de dar a notícia a esta assim que ela acordasse. O que exigiu todo o seu tato e consideração. Americo teve também de cuidar pessoalmente da cremação de Rubi e da aspersão de suas cinzas, jogadas do alto do Pão de Açúcar ao nascer do sol.
A infeliz senhora lhe disse que, com o falecimento de Rubi, já não tinha motivo para viver. E, de fato, dias depois, Americo recebeu a notícia de sua morte. Era a este sepultamento que ele estava indo naquela manhã.
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