Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro
Descrição de chapéu

Varizes modernistas

Aos 58 anos, Brasília já não é um broto. Talvez nunca tenha sido

Em 1980, eu conhecia bem Paris, Londres, Milão, morara três anos em Lisboa, fora várias vezes a Nova York e nunca tinha ido a Brasília. Não havia motivo —não era jornalista político, nem funcionário público, nem amigo de senador. Até que, naquele ano, uma reportagem para a "Playboy", compreendendo várias capitais do país, levou-me pela primeira vez até lá. Brasília, inaugurada em 1960, tinha 20 anos, um broto. Aos meus olhos, pareceu uma coroa de varizes e minissaia.

Ao entrar e sair dos edifícios, eu me chocava com as alvenarias descascadas, os azulejos soltos, a grama crescendo entre os blocos dos pisos e um ar geral de obsolescência precoce. Mas, como sentia a mesma coisa nos prédios modernistas que frequentava no Rio e em São Paulo, o problema não devia ser de Brasília, e sim daquele tipo de arquitetura. Acontece que Brasília era toda assim. Comentei com Paulo Francis e ele mandou de volta: "Brasília é a maior ruína modernista do mundo".

Podia ter a ver com a pressa com que a cidade fora construída, pouco mais de três anos, e com o alegado carnaval envolvendo a quantidade e qualidade do concreto usado nas obras. Nas quais, dizia-se, valia tudo —o importante era inaugurar, embora, no Brasil daquele tempo, não houvesse nem casacas suficientes para todos os convidados de Juscelino.

Na semana passada, 30 metros do Eixo Rodoviário de Brasília, viaduto que cruza com o famoso Eixo Monumental, desabaram. Ninguém se feriu, mas ninguém se espantou. A construção é de 1960, uma das originais de Brasília, e um relatório autorizado de 2012 já falava da necessidade de "reparos urgentes". O relatório citou outros seis locais em perigo, incluindo duas pontes importantes.

Brasília fez 58 anos outro dia. O modernismo, como qualquer estilo, também envelhece, só que mal.

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