Naquele momento, um passarinho entrou pela varanda e começou a fazer evoluções à sua volta, tirando finos em sua cabeça. Era um passarinho gordo, como Maria. O poeta escreveu depois: “Tenho certeza que aquele passarinho gordo era você, meu Maria, fazendo palhaçada para me tirar da fossa”.
Vinicius tinha prática nesses assuntos. Em 1955, morrera-lhe outro amigo querido, Jayme Ovalle, também poeta e compositor. Dias depois, Vinicius escreveu a Manuel Bandeira: “Ele [Ovalle] não tem me largado um instante. Agora mesmo que estou te escrevendo, está sentado na poltrona em frente, com o cigarro entre o minguinho e o seu-vizinho [gesto típico de Ovalle]” —e descreveu uma longa cena do amigo morto que o visitava. Ovalle morrera no Rio e Vinicius estava em Paris, detalhe insignificante no além.
Quando se perde um amigo, vêm o vazio e a sensação de que, por mais que se falassem, os dois não disseram tudo. Há pouco, na morte de Carlos Heitor Cony, lamentei nunca lhe ter dito que mudara de opinião sobre um escritor que ele admirava e eu, de graça, sempre desprezara: Humberto de Campos (1886-1934). Ao finalmente lê-lo, em 2017, enxerguei muito de Humberto de Campos na coragem e na franqueza de Cony.
Pois bem. Há dias, recebi em casa uma caixa. Era de Beatriz, viúva de Cony. E, antes mesmo de abri-la, já adivinhava o conteúdo: os livros de Humberto de Campos que Cony tanto lera e amara.
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