Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro
Descrição de chapéu

Pensamento intransponível

Comparado a Rosa Weber, James Joyce é brincadeira de criança

A ministra Rosa Weber em sessão do Supremo Tribunal Federal
A ministra Rosa Weber em sessão do Supremo Tribunal Federal - Pedro Ladeira - 22.jun.2017/Folhapress

Alguém se lembra da leitura dinâmica? Era uma técnica de leitura a jato, em que se usava o dedo para dirigir os olhos sobre um texto e permitia ler 4.000 palavras por minuto —o normal, para quem lê de linha a linha e lambendo o dedo para virar a página, é de 600. Com ela, o grau de compreensão do texto seria de 50%, o que seus adeptos, não me pergunte por quê, consideravam muito bom.

A leitura dinâmica foi inventada em 1959 por uma professorinha de Washington chamada Evelyn Wood e teve como primeiro usuário ilustre seu vizinho John Kennedy, eleito no ano seguinte presidente dos EUA. Mas, por certas medidas desastradas que tomou em seu governo na área da política externa, pode ser que Kennedy, ao fazer leitura dinâmica dos relatórios do Pentágono, tivesse perdido justamente os 50% que importavam. 

Um comediante até há pouco querido e hoje em desgraça —não vou citar seu nome, só as iniciais: Woody Allen— disse certa vez que aprendera leitura dinâmica e lera as 800 páginas de “Guerra e Paz”, de Tolstói, em 20 minutos. “Tem a ver com a Rússia”, ele concluiu. Bem, em tempos idos, li “Ulysses”, de James Joyce, e duas vezes a tradução de Antonio Houaiss, “Ulisses”, então recém-lançada. Achei mais fácil em inglês. E, ao fim da leitura, cheguei também à gloriosa conclusão: tinham a ver com a Irlanda. Só que, ao contrário de Woody, li-os à maneira tradicional, palavra por palavra, durante penosas semanas.

Tudo isso para dizer que James Joyce, que há quase cem anos desafia os leitores, é brincadeira de criança diante da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal. Um dia, haverá equipes de estudiosos debruçados sobre os pareceres de frau Weber nas votações do STF, lutando para decifrá-los.

Recomendo leitura dinâmica. Pelo menos, abreviará o sofrimento.

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