Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro
Descrição de chapéu

'Vidas secas' e/ou 'Boca de Ouro'

Chuvas e trovoadas interferiram no Cinema Novo

O cineasta Nelson Pereira dos Santos na Flip (Feira Literária Internacional de Paraty), em 2013
O cineasta Nelson Pereira dos Santos na Flip (Feira Literária Internacional de Paraty), em 2013 - Danilo Verpa - 5.jul.13/Folhapress

Parece piada, mas aconteceu. Nelson Pereira dos Santos, o cineasta que nos deixou sábado último (21), teve de adiar por dois anos sua filmagem de “Vidas Secas” porque, em Juazeiro, na Bahia, onde ele planejava rodar, começou a chover e não parava. E o romance de Graciliano Ramos se passa debaixo do maior sol, sobre terra árida e ingrata. Por causa da chuva, o sertão ficou lindamente verde. Não dava.

Isso foi em 1961. Como já estava por lá, com equipe, hospedagem paga e muito negativo em estoque, Nelson resolveu filmar alguma história que pudesse se passar naquele cenário. Daí improvisou uma trama, estilo faroeste, de que resultou “Mandacaru Vermelho”. O filme, sem maior expressão, preparou o terreno para o Cinema Novo, que se iniciava.

Nelson voltou para o Rio e, quando se achava pronto para retornar ao Nordeste em função de “Vidas Secas”, soube que estava chovendo de novo. Como não queria ficar parado, aceitou o convite de Jece Valadão para dirigir o primeiro filme baseado em Nelson Rodrigues: “Boca de Ouro”, com Jece e Odete Lara.

Durante 1962, ele e Jece trabalharam na adaptação da peça, criando situações e mexendo na cronologia, para tirar a história do palco e torná-la mais cinematográfica. Começaram a rodar e, com boa parte do material já filmado, Nelson soube que o sertão estava no ponto para “Vidas Secas”. Então, sem estresse, devolveu “Boca de Ouro” a Jece e se mandou, não para a Bahia, mas para Palmeira dos Índios, em Alagoas, e fez o filme que o consagraria.

Jece Valadão concluiu e lançou “Boca de Ouro”. O filme estourou na bilheteria em 1963, apesar de esnobado pelos críticos, pelo Cinema Novo e pelo próprio Nelson Pereira. Mas a maneira de ver o cinema se transforma. Mais de 50 anos depois, “Boca de Ouro” continua a ser o melhor filme baseado em Nelson Rodrigues e, quem diria, ficou melhor do que “Vidas Secas” e quase todo o Cinema Novo.

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