Nada como um mercado rico, aberto a todas as possibilidades. O jornal The New York Times falou outro dia de um artista performático chamado Tim Youd, cuja especialidade é datilografar grandes romances. Não se trata de datilografar manuscritos originais, como os de “Orgulho e Preconceito”, de Jane Austen, ou “Moby Dick”, de Herman Melville, anteriores à máquina de escrever, para ver como eles ficariam se tivessem sido batidos a máquina por seus autores.
A proposta de Youd é mais ousada. Ele escolhe um romance sobre o qual não resta a menor dúvida —“Adeus às Armas”, de Hemingway, ou “O Som e a Fúria”, de Faulkner, digamos—, e descobre em que cidade ele foi escrito e em qual modelo ou marca de máquina de escrever. Daí marcha para esta cidade com uma máquina igualzinha e lá, sob farto aparato oficial —o órgão de cultura local se sente honrado em patrociná-lo—, senta-se a uma mesa, abre uma edição impressa do livro, põe uma folha de papel na máquina e, com dois dedos, começa a bater o texto.
Mas não é uma datilografia corriqueira, careta, em que as palavras do autor são fielmente transcritas em folhas de papel. Youd usa uma única folha de papel. Quando o texto chega ao fim da página, ele tira o papel da máquina e o põe de novo, do mesmo lado, e retoma a datilografia. As palavras começam a se atropelar e a se sobrepor, até que, depois de datilografadas as 200 ou 300 páginas do livro, a folha já se tornou um borrão preto ilegível.
E, se não fosse assim, seria ilegível do mesmo jeito porque Youd ignora os espaços, pontos e vírgulas, e bate o livro inteiro comosefosseumasópalavraentendeu?. E, quando erra, não volta atrás —deixa errado e vai em frente, qual é a diferença?
Como eu disse, nada como um mercado rico, aberto a todas as possibilidades. Isso nos salva de trazer Youd ao Rio para datilografar o “Grande Sertão: Veredas”.
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