Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro
Descrição de chapéu

Em maio de 68

Não era mal para um garoto de 20 anos

Aglomeração na Cinelândia durante a passeada dos Cem Mil, no Rio, em 1968
Aglomeração na Cinelândia durante a passeada dos Cem Mil, no Rio, em 1968 - Folhapress

Em maio de 1968, eu acordava no Solar da Fossa, onde morava. Era um casarão colonial, estilo convento, ocupando o espaço onde hoje fica o shopping Rio-Sul, perto do Túnel Novo, em Botafogo. Seus inquilinos eram jovens principiantes, cultos, criativos, românticos e duros —Gal Costa, Paulinho da Viola, Betty Faria, Ítala Nandi, Antonio Pitanga, Rogério Duarte, Paulo Leminski (Zé Kéti era “velho”). A lista de quem passou pelo Solar enquanto ele existiu, de 1965 a 1972, não caberia neste espaço.

Mas, enfim, eu acordava no Solar e tomava uma média com pão canoa num botequim atrás do recém-inaugurado Canecão. Como já trabalhava, podia andar de táxi e pegava um para a FNFi, Faculdade Nacional de Filosofia, no Castelo, onde estudava. Estudava em termos. Cursava ciências sociais, mas só ia lá para namorar ou agitar —a FNFi era um dos polos do movimento estudantil. De lá saíam as passeatas contra a ditadura, na avenida Rio Branco. Certa vez, a minutos de uma delas, eu e o líder Marcos Medeiros discutíamos estética — ele, defendendo o húngaro Lukács; eu, o alemão Walter Benjamin.

Comia um sanduíche com milk-shake no Bob’s, ao lado da FNFi, e ia a pé para a redação da revista Diners, na rua do Ouvidor. A Diners era dirigida por Paulo Francis e eu, um dos redatores —outro era Telmo Martino. No fim da tarde, pegava uma carona com Francis e íamos para o Correio da Manhã, na Lapa, de cujo segundo caderno ele era editor e eu, colaborador fixo. 

À noite, saía do jornal com a repórter Germana de Lamare e íamos assistir aos ensaios de “Roda Viva”, no Teatro Princesa Isabel, dirigida por seu amigo Zé Celso Martinez — sim, “Roda Viva” começou no Rio. Ou, se fosse sábado, ia à sessão de meia-noite do cinema Paissandu, reduto do Cinema Novo. Ou voltava para o Solar, onde rolavam, prosaicamente, as sementes da Revolução Sexual. 

Não era mal para um garoto de 20 anos.

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