Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro
Descrição de chapéu

Hora de lembrar

Agildo Ribeiro tinha muito que contar, inclusive sobre seu pai

Agildo Ribeiro em cena do filme "A Cama ao Alcance de Todos", de 1969
Agildo Ribeiro em cena do filme "A Cama ao Alcance de Todos", de 1969 - Divulgação

Levei a semana passada às voltas com um livro, “Vida de um Revolucionário”, memórias do militar e político Agildo Barata, de 1962. De uma maneira ou de outra, Barata participou das insurreições de 1922, 24, 30, 32 e 35. Das cinco, perdeu quatro —só ganhou em 1930— e, por isso, conheceu o exílio e pegou dez anos de cadeia. Nos anos 50, abalado pelas revelações sobre o stalinismo, deixou o Partido Comunista, que, bem ao seu estilo, “expulsou-o”. Agildo Barata era também pai do ator Agildo Ribeiro, morto no dia 26 último, aos 86 anos.

Por acaso, Agildo morreu quando eu lia o capítulo em que seu pai contava como o garoto sofrera por ser seu filho. Começou em 1932, com Agildo recém-nascido e proibido de acompanhar seus pais no exílio —o pessoal de Getulio recusava-se a dar-lhe um passaporte porque, na foto, ele podia ser qualquer bebê. O ridículo da coisa não se sustentou e eles conseguiram levá-lo.

Nos anos 40, Agildo teve negada a matrícula gratuita no Colégio Militar, apesar de ser filho de oficial do Exército. Depois voltaram atrás e deram-lhe um desconto de 50% —também ilegal. Por fim, com Agildo já frequentando as aulas, um professor proibiu-o de dizer seu próprio nome em sala. O professor levara um tiro nas nádegas no levante da Praia Vermelha, em 1935, ficara desbundado para sempre e, sem qualquer prova, culpava Agildo Barata por isto —donde vingava-se no pequeno Agildo.

Para Barata, Agildo fizera bem em trocar a carreira militar pela de ator —a de um extraordinário ator de teatro, cinema e televisão.

Em 2007, encontrei Agildo no Leblon e ele me convidou a escrever sua biografia. Respondi-lhe que seria uma honra, mas não acreditava em biografar vivos, pelo fato de a história deles ainda não ter terminado —e que ele ainda tinha muito para dar. Agildo agradeceu e fingiu concordar, mas li em seu rosto que, para ele, já chegara a hora de lembrar.

O humorista Agildo Ribeiro
O humorista Agildo Ribeiro - Sérgio Andrade - 26.fev.1993/Folhapress
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