Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Descalço, brilhante e adorável

Como pode o Leblon se ver, de repente, sem Alexandre Gontijo?

O advogado carioca e pesquisador de futebol Alexandre Gontijo, em sua casa no Rio
O advogado carioca e pesquisador de futebol Alexandre Gontijo, em sua casa no Rio - Reprodução/Vivo

O rapaz descabelado e alto, meio gago, ameaçadoramente robusto, bermuda e camiseta tronchas, descalço e com os pés sujos de areia, aproximou-se de mim na mesa do restaurante na calçada. Falamos por alguns minutos e ele se retirou. Um garçom veio me perguntar: “Aquele homem o estava incomodando, senhor?”. Respondi: “Não. Ao contrário, é das pessoas com quem mais gosto de conversar. Aprendo muito com ele. Você também aprenderia, se ele fosse seu amigo”. 

O rapaz era Alexandre Gontijo, com quem eu vivia me encontrando no calçadão, de manhã, ou, a qualquer hora, perto de uma livraria ou banca de jornais, no Leblon. Ao me ver, sempre me falava, empolgado, de algo que acabara de descobrir na imprensa americana, inglesa ou francesa sobre futebol, cinema ou política internacional. E sempre descalço, sempre troncho. Era rara também a semana em que não me mandava por email esse tipo de material. 

Hoje tenho certeza de que ele antecipou a chegada do garçom e se afastou antes que se criasse uma cena —que talvez já tivesse acontecido em outros restaurantes e com outros amigos. Sei agora também que era advogado —mas terá algum dia envergado uma beca num tribunal ou uma simples gravata?  

Alexandre morreu de infarto no dia 14 último. Segundo seu obituário, no jornal O Globo, tinha 48 anos. Eu e Heloisa o julgávamos com pouco mais de 30 —até nos lembrarmos de que o conhecíamos já havia mais de 20. No dia seguinte, o jornal publicou várias convocações para seu velório. Eram assinadas por 32 advogados com sobrenomes como, entre outros, Moraes (de Evaristo de Moraes, em memória), Sepúlveda Pertence e Lins e Silva, pelos jornalistas da revista Piauí e por seus amigos “da pelada e da vida” —Alexandre era também peladeiro.

Os adjetivos com que o descreveram incluíram doce, generoso, amigo, irmão, brilhante. E adorável, que era o que melhor o definia.

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