Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Goleiros vocacionais

Nenhum garoto vai mais para o gol por ser gordo ou usar óculos

Os goleiros estão em alta no futebol. Alisson, da seleção brasileira, foi vendido pelo italiano Roma para o inglês Liverpool por 60,5 milhões de euros. Nunca um goleiro custara tanto. Mas o recorde não durou muito. Na semana passada, outro inglês, o Chelsea, tomou Arrizabalaga do espanhol Athletic Bilbao por 80 milhões de euros. Para calcular tais valores em reais, multiplique cada euro por quatro e quebrados. Uma simples transação dessas equivale ao faturamento anual de muitos clubes brasileiros que se acham grandes.

A idolatria por goleiros não é de hoje. Começou com o próprio futebol. No Brasil, os grandes pioneiros da posição —Marcos Carneiro de Mendonça, do Fluminense, Amado, do Flamengo, Oberdan, do Palmeiras— mal podiam sair à rua. Imagino como não seria lá fora com o espanhol Zamora, o tcheco Planicka ou o russo Yashin, este, considerado o maior goleiro da história. Mas eles eram só adorados. Nenhum jamais representou muito dinheiro, mesmo descontando a modéstia de valores no futebol do passado.

Em qualquer partida, já deve haver jovens goleiros vocacionais
Em qualquer partida, já deve haver jovens goleiros vocacionais - Robson Ventura - 24.dez.10/Folhapress

A história se ocupou mais dos goleiros que, um dia, comeram um frango e levaram a vida sendo apontados por isso. O símbolo dessa tragédia é o vascaíno Barbosa, goleiro do Brasil na Copa de 1950 e que viveu sob o estigma de um gol —contra o Uruguai, nos custando o título— que nem frango foi.  

Talvez por isso, nas velhas peladas, um garoto só fosse para o gol por usar óculos, ser gordo ou mais novo que os outros. Hoje, isso seria bullying —e nem deve mais acontecer porque, em qualquer pelada, já deve haver jovens goleiros vocacionais, seguros de seu potencial e munidos até de empresário. 

Em criança, joguei pelada todos os dias por mais de dez anos. Em todo esse tempo, só fui goleiro uma vez. E apenas por um minuto —mas suficiente para que, numa bola delicadamente atrasada por meu zagueiro, eu a deixasse passar entre as pernas. 
 

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