Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Onze homens e um segredo

As cinzas de Alexandre estão para sempre entre os tufos sagrados

Um punhado de cinzas de Alexandre Gontijo foi deixado por seus amigos no gramado do Maracanã, no dia 10 último
Um punhado de cinzas de Alexandre Gontijo foi deixado por seus amigos no gramado do Maracanã, no dia 10 último - Arquivo pessoal

No dia 10 último, uma sexta-feira, às 9 da manhã, 11 homens vindos de diferentes pontos da cidade encontraram-se no bar Jobi, no Leblon, para uma missão a que tinham se proposto —a última homenagem a um grande amigo, morto dias antes. O botequim, ainda com as cadeiras viradas, abriu-lhes as portas e serviu-lhes chopes, preparando-os para a aventura que os esperava. Ali mesmo, todos vestiram uma camiseta preta com a inscrição Key West —mandada fazer para a ocasião, igual a uma que seu amigo costumava usar. E só então partiram, em vários carros, rumo ao estádio do Maracanã.

Encontraram-se no estacionamento do estádio e se apresentaram a um funcionário como turistas para uma visita guiada, previamente agendada, às dependências e ao gramado. A ideia era burlar o guia e a segurança e depositar na gloriosa grama do Maracanã um punhado de cinzas do amigo, cedidas a eles pela família. E este era o problema —conseguir com que as cinzas fossem solenemente despejadas de um saco plástico e houvesse tempo para algumas palavras. 

De repente, uma decepção. A grama estava em recuperação para o jogo do domingo, Flamengo x Cruzeiro, e não seria possível pisá-la —até as balizas tinham sido retiradas. O fracasso estava à vista. Mas, então, o acaso jogou a favor. Uma turma de argentinos (ou chilenos, nunca se soube) desfraldou faixas alvirrubras no setor das cadeiras, numa aparente manifestação. O guia e os seguranças largaram o grupo e partiram brabos na direção dos gringos. 

Foi o que bastou para que os 11 homens —oito advogados, dois economistas e um jornalista, este, inglês— adentrassem o gramado e deitassem amorosamente o montinho de cinzas na área onde ficam os técnicos. 

E ainda houve tempo para as palavras finais a Alexandre Gontijo, amigo inesquecível e amante extremado do futebol, que agora repousa e se confunde com os tufos sagrados. 

Dois dias depois, durante a partida entre Flamengo e Cruzeiro, as cinzas de Alexandre ainda estavam no gramado
Dois dias depois, durante a partida entre Flamengo e Cruzeiro, as cinzas de Alexandre ainda estavam no gramado - Arquivo pessoal

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