Sérgio Rodrigues, brilhante escritor e colega aqui na Folha, não quis esperar o ano acabar. Em coluna recente, lançou sua sugestão para a palavra do ano: “ódio”. E explicou: “Não foi nos livros que a encontrei. Foi nas ruas do meu país”.
Sérgio se refere, claro, ao estado de guerra em torno dos dois candidatos que disputam hoje a Presidência. Mas não é um ódio puro, digo eu —vem amplificado pelo medo. Aliás, este já está embutido na definição de “ódio”, como Sérgio constatou ao dar uma espiada no “Houaiss”. Lá está: “Ódio. Aversão intensa, geralmente motivada por medo, raiva ou injúria sofrida”. Donde, para mim, “medo” passa a ser a segunda palavra do ano.
Se Bolsonaro desperta medo por suas posições racistas, homofóbicas, misóginas, autoritárias e antidemocráticas e pelos ferrabrases que o cercam, Haddad, opaco e invertebrado, representa a possibilidade da volta de Lula e do PT. E isso —assim dizem os números— assusta ainda mais o brasileiro do que a ameaça de Bolsonaro. Os eleitores se impressionaram com a capacidade de Lula, mesmo atrás das grades em Curitiba, influir no jogo eleitoral no primeiro turno, fazendo e desfazendo alianças entre políticos e partidos, como de seu estilo, para que desse exatamente Haddad X Bolsonaro na final. E sabem que, se eleito, Haddad será, na melhor das hipóteses, um presidente teleguiado.
E assim chegamos à encruzilhada de hoje, ideal não para uma disputa presidencial, mas para um despacho de macumba. Há certo consolo em saber que, quietos em seu canto, ainda restam brasileiros sem ódio e sem medo, nem de Bolsonaro, nem de Haddad —apenas contrários ao que está à frente de um e por trás do outro.
E esperando que o Brasil seja grande o suficiente para absorver qualquer dos dois, digeri-lo e, em seu tempo, expeli-lo, até que surja alguém melhor.
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