Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Corrupção de exportação

Devíamos ter ficado na falsificação de fichas de orelhão

Nos anos 70, como um dos muitos brasileiros morando na Europa, às vezes ficava sabendo de macetes inventados pelos patrícios para driblar a penúria e continuar usando os serviços básicos. Um deles, nos países frios, consistia em fabricar uma pecinha de gelo para usar como ficha nos telefones públicos. Não sei como faziam, mas parece que funcionava. Eu achava engraçado. Hoje vejo que pode ter sido aí que começou nossa carreira de crimes no exterior.

A corrupção no Brasil não tem se limitado à compra de vereadores, deputados, senadores, policiais, fiscais, governadores, executivos de estatais, funcionários de partidos, megaempresários, juízes de diversos escalões, ministros de Estado e presidentes da República. Isso é só no âmbito doméstico —e já seria suficiente para nos perguntarmos como chegamos a tal ponto. O problema é que, diante da aparente impunidade, pensou-se que tais práticas poderiam ser exportadas.

Vide a Fifa. Quando era presidida pelo velhinho Jules Rimet, mal tinha dinheiro para comprar uma bola de segunda-mão. Mas, assim que o nosso João Havelange a assumiu, em 1974, a prosperidade bateu à porta da entidade juntamente com o ingresso de centenas de paisecos que, mais do que futebol, tinham dinheiro e votos para reelegê-lo e vender Copas do Mundo. Hoje, 44 anos e um mar de falcatruas depois, há cartolas, empresários e ex-presidentes de confederações e da própria Fifa sob processo, vários, presos. 

As grossas mutretas entre a Odebrecht e nossos governos foram replicadas nas Américas, Ásia e África. Flagradas, ameaçam mandar para as grades por enquanto os poderosos de Peru, Colômbia, Equador e México. E o brasileiro Carlos Ghosn, ex-presidente da Nissan, está preso no Japão, acusado de sonegar milhões e usar mal o dinheiro da montadora. Ou seja, lá fora a coisa não rola. 

Devíamos ter ficado na falsificação das fichas de orelhão. 

Cabines telefônicas em Londres
Cabines telefônicas em Londres - Timothy A. Clary/AFP
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