Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

A história apresenta a conta

As façanhas do passado são vistas hoje com outros olhos

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Em 1900, na festa dos 400 anos da descoberta do Brasil, o Rio iria inaugurar, no largo da Glória, seu monumento a Pedro Álvares Cabral. A estátua, de Rodolpho Bernardelli, tinha um pedestal de 10 m de altura. Sobre este, desfraldando a bandeira portuguesa, um Cabral de 3,5 m, secundado por Pero Vaz de Caminha, nosso primeiro historiador, e frei Henrique, celebrante da primeira missa. Tudo coberto pelo véu a ser descerrado pelo presidente da República, Campos Salles, quando este proferisse a frase “Viva a pátria brasileira!” e puxasse o cordão.

Pois foi o que Campos Salles fez. Proferiu, puxou o cordão —e nada. O véu não se mexeu. Proferiu de novo, puxou —e, mais uma vez, neca. Tentativas seguintes de proferir e puxar resultaram debalde. Vexame total. Campos Salles, furioso; o embaixador português, a ponto de se retirar; a comissão da estátua, saindo de fininho.

A estátua em homenagem ao bandeirante Borba Gato
A estátua em homenagem ao bandeirante Borba Gato - Eduardo Anizelli/Folhapress

Foi quando alguém na multidão —um homem depois identificado como Martim Francisco de Paula, cearense, soldado— pediu licença. Escalou o pedestal, subiu pelo que deviam ser o Caminha e o Henrique, e desatou o nó que impedia o Cabral de vir a nu. E, então, isso gloriosamente aconteceu. Ovação popular. Campos Salles, com suas mãos enluvadas, bateu discretas palmas silenciosas para aquele brasileiro que lhe salvara o dia, mas lhe roubara o show. Brasileiro —e, por acaso, negro.

A Associação dos 400 Anos, ao descrever o fato, omitiu o detalhe da cor. Por sorte, os jornais o registraram. Hoje, em tempos de revisionismo histórico —vide o vitorioso enredo da Mangueira—, este seria um episódio a explorar no Carnaval: Cabral descobriu o Brasil, mas foi um negro brasileiro que descobriu o Cabral.

O Borba Gato, em São Paulo, e outros monumentos da história oficial que se cuidem. As façanhas que lhes eram atribuídas passaram a ser vistas com outros olhos. A história apresenta a conta.

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