Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Música de elevador

'Um dia, todos tocaremos no elevador', disse Tom Jobim. Chegou a vez de Miles Davis

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Entrei no elevador de um prédio comercial de Ipanema e, assim que a porta fechou, escutei um agradável fundo musical saindo de algum lugar. Era o tipo de música ideal para se ouvir quando não se tem alternativa —como dentro de um elevador. Subimos. A porta abriu no andar e saí, mas a música me seguiu pelo corredor e já estava na sala de espera onde entrei e me sentei para ser atendido. Era música de elevador, mas, pelo visto, atendia todo o edifício.

Aquela música não me era estranha. Podia jurar que já a tinha escutado. Era um conjunto de trompete, sax-tenor, sax-alto e seção rítmica —piano, contrabaixo e bateria. O clássico sexteto de jazz. E, de repente, identifiquei cada integrante daquela formação e me dei conta do que estávamos ouvindo.

O trompetista Miles Davis fuma durante as gravação do disco 'Kind of Blue' - Don Hunstein/Sony Music/Divulgação

Começara com o piano de Bill Evans e o contrabaixo de Paul Chambers. Foi o que tocou enquanto o elevador subia. Já no corredor, a bateria de Jimmy Cobb se incorporou e formou um leito sobre o qual se espalharam, delicadamente, o sax-alto de Cannonball Adderley, o sax-tenor de John Coltrane e, você adivinhou, o trompete de Miles Davis. Era “So What”, o tema de Miles que abre “Kind of Blue”, seu disco mais celebrado da fase pré-rock, em que ele ainda comprava carros ingleses, usava camisas italianas e namorava atrizes francesas.

“Kind of Blue” foi gravado em 1958 e, depois de anos meio que ignorado, foi promovido a um monumento do jazz. Ouvi-lo, hoje, num desprezível elevador, devia ser chocante, não? Não —não mais. O que a grande música pode ter contra o elevador se não há muitos outros canais onde se possa escutá-la? 

Tom Jobim me disse certa vez: “Alguém escreveu outro dia que faço música de elevador. É verdade, minha música toca no elevador. Mas a do Cole Porter também toca. A do Chopin, também. Um dia, todo mundo vai tocar no elevador. E vamos ter de dar graças a Deus por isto”. 

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