Doris Day se foi no dia 13 último. Os obituários falaram de sua carreira no cinema e mal a mencionaram como cantora. E os que falaram dela como cantora só se lembraram de sua interpretação da valsa “Que Será, Será” no filme “O Homem que Sabia Demais”, de Hitchcock, em 1956. Quem pode acreditar hoje que, para muitos, Doris Day está entre as dez maiores cantoras americanas?
Eu diria que ela está entre as cinco, depois de, cronologicamente, Ethel Waters, Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Judy Garland. E não sou só eu. John Updike, o romancista, era louco por ela. João Gilberto, em 1952, respondendo sobre seus cantores favoritos, votou em Frank Sinatra e Doris Day. E Will Friedwald, hoje a maior autoridade no assunto, fez as contas e concluiu que, em matéria de gravar o repertório clássico americano, Doris Day só perde em quantidade para Bing Crosby e Sinatra, que passaram 50 anos fazendo isso, e Ella, por causa de seus songbooks.
São tantas grandes interpretações que é melhor nos referirmos a seus álbuns. Entre os imperdíveis, estão as trilhas sonoras de “Young Man With a Horn” (1950), em que ela canta com o trompetista Harry James, e “Love Me or Leave Me” (1955); os insuperáveis “Day by Day” (1956) e “Day by Night” (1957); o duplo “Hooray for Hollywood” (1958), com canções do cinema; “Show Time” (1960), com canções da Broadway; os deliciosos “Cuttin’ Capers” (1959) e “Bright and Shiny” (1961); o incrível “Duet”, ela e André Previn; e até o “Latin for Lovers” (1965), em que canta bossa nova.
Doris podia ter passado sem “Que Será, Será”. E, de certa forma, passou. Tinha de cantá-la, mas nunca a incluiu em seus LPs conceituais. “Que Será, Será” só saiu em compacto e em antologias de “grandes sucessos”.
O selo alemão Bear Family lançou há anos Doris Day completa em 23 CDs —quase 600 faixas. Se me mudar para uma ilha deserta, já tenho o que levar.
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