Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

O futebol do absoluto

Uma máquina tem agora o poder de nos transformar numa multidão de idiotas da objetividade

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Era uma vez uma arte chamada futebol, em que 22 sujeitos, divididos em dois grupos, disputavam uma bola com o objetivo de mandá-la para dentro das redes adversárias. Mais ou menos à parte, ficava o juiz, cuja função era interromper o espetáculo se um dos litigantes fizesse algo contra as regras, como pôr a mão na bola ou aleijar um oponente sem motivo justo.

Ao redor do campo, postavam-se as grandes massas —a torcida—, gritando “Vai! Vai!”, fazendo “Úuu!”, pulando a cada gol de suas cores ou, com frequência, discordando do juiz, ofendendo sua mãe ou mandando-o tomar algo que não devia ser do seu agrado. 

Árbitro Julio Bascuñan analise lance durante partida entre Brasil e Venezuela pela Copa América
Árbitro Julio Bascuñan analise lance durante partida entre Brasil e Venezuela pela Copa América - Luisa Gonzalez/Reuters

O bonito é que todos ali, jogadores, juiz, espectadores, eram seres humanos, apaixonados, donde falíveis, sujeitos a erros de interpretação e a ver ou deixar de ver coisas que pareciam óbvias para um ou para o outro lado. Era o império do relativo, do subjetivo —daí o seu fascínio, que fazia com que cada jogo continuasse sendo discutido nos botequins, escritórios e até alcovas por dias, semanas e anos, sem que se chegasse a um acordo.  Uma bola nas redes, com o juiz apontando e o bandeirinha correndo para o centro do campo, era só o que se precisava para pular, abraçar e beijar quem estivesse do nosso lado na arquiba. 

Não mais. Agora, a cada gol, ninguém pula ou se beija ou se abraça, nem os jogadores. Assim que a bola estufa a rede, o juiz leva a mão à orelha e se põe em posição de atenção. Dali, corre em direção a um aparelho de TV fora do campo —o VAR—, diante do qual se demora quatro ou cinco minutos, enquanto nós ficamos aflitos, sôfregos, expectantes. E só então, quando ele volta ao campo e faz esse ou aquele gesto, descobrimos se temos autorização para vibrar ou não. 

O futebol se tornou o império do absoluto. Uma máquina tem agora o poder de nos tornar, como diria Nelson Rodrigues, uma multidão de idiotas da objetividade.

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