Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

'Garota' sob nova 'leitura'

Para os padrões de hoje, 'Garota de Ipanema' é um hino ao sexismo, ao assédio e talvez à pedofilia

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Helô Pinheiro, a Garota de Ipanema, em 1965 - Reprodução de arquivo pessoal

Toquinho, violonista e parceiro de Vinicius de Moraes, disse a Bruna Narcizo na Folha de domingo último (14) que "Garota de Ipanema", de Tom e Vinicius, a música brasileira mais executada no planeta, "hoje seria execrada". Concordo com Toquinho e vou mais longe —talvez nem fosse composta. E, se fosse, qual cantora ousaria interpretar esse hino ao assédio, ao sexismo e, talvez, à pedofilia?

Afinal, a letra diz "Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça/ É ela, menina, que vem e que passa/ Num doce balanço, caminho do mar" --é uma menina que está sendo cantada por aqueles dois velhos babões, notou? E prossegue, sexista: "Moça do corpo dourado/ Do sol de Ipanema/ O seu balançado é mais que um poema/ É a coisa mais linda que eu já vi passar". E, depois de um falso intermezzo romântico, termina apelando para um quase estupro universal: "Ah, se ela soubesse/ Que quando ela passa/ O mundo inteirinho se enche de graça/ E fica mais lindo/ Por causa do amor". 

É triste, mas é assim que se faz hoje a "leitura" da letra. "Garota de Ipanema" é de 1962. A ipanemense Helô Pinheiro, 19 anos, pode tê-la inspirado, mas a canção sempre se referiu às muitas moças de Ipanema, de antes e depois, que, pelo trabalho, pela coragem e pelo exemplo, ajudaram a tornar a mulher brasileira mais adulta e independente. Eis algumas, apenas entre as mais famosas: 

Tonia Carrero, Miriam Etz, Vera Barreto Leite, Danuza Leão, Odette Lara, Marilia Carneiro, Marilia Kranz, Marina Colasanti, Ira Etz, Germana De Lamare, Betty Faria, Maria Lucia Dahl, Duda Cavalcanti, Olga Savary, Martha Alencar, Regina Rosemburgo, Leila Diniz, Zezé Motta, Tania Caldas, Patricia Casé, Scarlet Moon, Lygia Marina, Angela Ro-Ro, Isabel e Jacqueline do vôlei. 

Essas grandes mulheres sempre souberam que a letra, de alguma maneira, lhes dizia respeito. E sempre se orgulharam disso.

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