Ao morrer, há dias, João Gilberto não deixou muito de seu no flat onde morava, de aluguel, no Leblon. Ouvi falar de uma gaveta cheia de pijamas, um exemplar do LP "Chega de Saudade", de 1959 (que dividiu sua vida em antes e depois), e, na garagem, talvez um carro (sem gasolina). Mas deixou seus violões. Cinco ou nove, dependendo da versão —um deles, o Tárrega que a Di Giorgio fabricou só para ele, em 1969. Um violão único, e logo de João Gilberto, já pensou? Os violões serão talvez o principal objeto da luta judicial entre seus herdeiros. Ganhe quem ganhar, pelo menos saberemos para onde foram.
Mas com quem terá ficado o violão de Lucio Alves, mestre de João, morto em 1993? E os de Luiz Bonfá, Garoto e Dilermando Reis? E o de Noel Rosa? Pixinguinha trocou a flauta pelo sax tenor em 1940 —ao morrer, em 1973, terá deixado pelo menos um de cada? E em que museus estarão as flautas de Benedicto Lacerda, Altamiro Carrilho e Copinha?
O piano de Ernesto Nazareth está no Museu da Imagem e do Som, aqui no Rio. Mas para onde foi o de Chiquinha Gonzaga? O sambista Sinhô, no fim da vida, já não tinha piano —"tocava" num teclado de cartolina, com as notas a lápis. Já os pianos de Ary Barroso, Radamés Gnatalli e Dick Farney, quero crer, ficaram com as famílias. Os pianos de cauda de Tom Jobim, tenho certeza —hoje, quanto não valerá cada um?
No Brasil, com exceções, não somos muito bons em preservação. É raro o instrumento de um grande músico passar a outro, que saberia preservá-lo e valorizá-lo. O normal é que, com a morte do músico, seu instrumento simplesmente desapareça.
O piano que Cole Porter manteve em seu apartamento no Waldorf-Astoria, de Nova York, onde morava ao morrer, em 1964, acaba de ser entronizado, tinindo, no lobby do hotel. Não para enfeitar, mas para ser tocado nos fins de tarde —e tocar, claro, a música de Cole Porter.
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