Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Antes e depois do gol 1000

Pelé pediu que o Brasil olhasse por suas criancinhas, mas o país continua a não enxergar

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A morte esta semana, em Rosário, de Andrada, o goleiro argentino do Vasco que sofreu o milésimo gol de Pelé, em novembro de 1969, me fez buscar o lance na internet. Lá está ele. Num Vasco x Santos, no Maracanã, aos 33 do 2º tempo, Pelé é derrubado na área por Renê. Pênalti. Pelé não queria cobrar —achava que o tão esperado milésimo deveria sair de um drible, uma tabelinha. Então, 65 mil torcedores no estádio começaram a gritar o seu nome.

Veja bem. Mesmo que ali houvesse muitos santistas, a esmagadora maioria era de vascaínos, talvez enxertada por flamengos, botafogos e fluminenses. Mas ninguém estava ali pelo jogo. Ninguém, naquele momento, era Vasco, Santos ou qualquer time. Todos eram Pelé.

Enquanto Pelé se decidia, Fidélis, lateral do Vasco, um autêntico espírito-de-porco em campo, esburacava a marca da cal. Por fim, Pelé resolveu cobrar. Num momento sublime, ele e Andrada se abraçaram. O goleiro foi para seu lugar, e Pelé, de costas para a bola, parecia falar com alguém. O juiz apitou. Pelé se virou, caminhou para a bola e só deu sua quase imperceptível paradinha. Nada de rebolados e firulas idiotas, como as dos cobradores de hoje. Gol. Delírio no Maracanã.

Andrada não se conformou. Esmurrava o chão, revoltado por não ter defendido. Não entendia que entraria para a história por ter sofrido o gol. Mas Andrada não era muito bom de julgamento. Dez anos depois, já longe do futebol, iria se envolver com a ditadura de seu país e seria suspeito da morte de compatriotas. Acabou sendo ilibado, mas o que ele estava fazendo ali, em meio a torturadores?

Pelé, por sua vez, chorando, de camisa do Vasco com um mil às costas, pediu que o Brasil olhasse por suas criancinhas. Foi ridicularizado por isto. Mas as criancinhas de que ele falava tornar-se-iam os pais e avós das criancinhas que, hoje, o Brasil continua a não enxergar.

Pelé cobra pênalti para marcar seu milésimo gol, no Maracanã, contra o Vasco, em 1969 - Reprodução

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