Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ruy Castro

Política macabra

No Brasil real, os cemitérios se preparam para os terríveis próximos dias

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

"Sem leitos suficientes nos hospitais, os doentes eram amontoados no chão das enfermarias e nos corredores. Muitos morriam antes de ser atendidos. Os hospitais foram fechados às visitas e, nos enterros, só se permitia a presença dos mais próximos. Os velhos rituais —velório, cortejo e sepultamento— ficaram impraticáveis. Viam-se carros transportando caixões com tábuas mal pregadas, indicando que tinham sido feitos às pressas. Começou a faltar madeira para os caixões e gente para fabricá-los.

"As pessoas morriam e seus corpos ficavam nas portas das casas, esperando pelos caminhões que deviam transportá-los. Os motoristas os recolhiam na calçada e os atiravam nas caçambas, como se fossem sacos de areia. Às vezes descobria-se que alguém dado como morto ainda respirava. Era liquidado ali mesmo, a golpes de pá, mas houve casos de enterrados vivos.

"Nos necrotérios, os corpos jaziam empilhados por dias, sobre as mesas de mármore ou no chão. Os recolhidos nas ruas, sem identificação, eram despejados em valas comuns ou incendiados. Os coveiros também começaram a morrer. O Exército e a Cruz Vermelha os substituíram como voluntários e, por toda a cidade, armaram-se hospitais emergenciais e postos de atendimento. Etc.".

Os parágrafos acima não são um relato da vida —e da morte— neste momento em Manaus e em outras cidades do Brasil, onde o número de mortes pela Covid-19 já começou a dobrar a cada semana. Mas poderiam ser. Eles estão no prólogo de meu livro "Metrópole à Beira-Mar — O Rio Moderno dos Anos 20", recém-lançado, e que começa com a gripe espanhola matando 15 mil pessoas no Rio em menos de 30 dias, em 1918.

Nesta semana, irritado, Jair Bolsonaro disse que não é coveiro. Não é mesmo. Os coveiros brasileiros são heróis. Enquanto ele faz política, os cemitérios se preparam para os terríveis próximos dias. Só ontem foram 407 mortes.

Enterro coletivo no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus - Michael Dantas/AFP

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.