Um amigo estranhou que, na segunda última (“Obras-primas pela janela”, 1/3), eu citasse Carlos Lyra como dos primeiros a ter gravado “Chora Tua Tristeza”, de Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini, um clássico inaugural da bossa nova, em 1959. “Ué! Carlos Lyra não é compositor?”, perguntou. Para esse amigo, muito jovem, por que o autor de “Lobo Bobo”, “Influência do Jazz”, “Minha Namorada” e outras daria tal colher de chá à concorrência? Expliquei-lhe que seu estranhamento era um efeito da cultura contemporânea, em que cada artista se dedica apenas à própria produção.
A bossa nova tornou natural que os compositores gravassem como intérpretes, mas isso não tirou o espaço de suas admirações. Tom Jobim deixou versões imortais de “Carinhoso”, de Pixinguinha, “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, e “Maracangalha”, de Caymmi. E, em 1964, no auge de “The Girl From Ipanema”, fez um disco nos EUA, “Love, Strings and Jobim”, com canções de Baden Powell, Marcos Valle, Luiz Eça, Eumir Deodato, Durval Ferreira e Roberto Menescal. Todos, por sua vez, gravaram Tom copiosamente.
Todos também sempre gravaram João Donato, o qual, em seus discos, gravou “Balanço Zona Sul”, de Tito Madi, “O Barquinho”, de Menescal e Bôscoli, e “Manhã de Carnaval”, de Luiz Bonfá e Antonio Maria, além de um CD inteiro sobre Tom. De Johnny Alf, o mesmo Carlos Lyra gravou ”Rapaz de Bem”, Marcos Valle idem e Sergio Ricardo, “Ilusão à Toa”. Já Johnny Alf gravou, igualmente, um disco dedicado a Jobim e outro a Noel Rosa. Baden Powell gravou, entre muitas, “Coisa Nº 1” e “Coisa Nº 2”, de Moacir Santos.
E, embora pareça incrível, pela futura rivalidade entre eles nos festivais da canção, quem lançou “Sonho de um Carnaval”, de Chico Buarque, em 1966, foi Geraldo Vandré. E por aí vai —ou ia.
Os talentos eram muitos e as admirações, mútuas. A música não era um espelho, mas um caleidoscópio.
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