Um leitor me acusou simpaticamente de “levar na troça” Oswald de Andrade (“Antropofagia de forno e fogão”, 13/6). Juro que não tive essa intenção. Ao escrever que existem dois Oswalds —o que seus contemporâneos conheceram e o que ele fabricou para a posteridade—, eu estava falando sério.
O Oswald que muitos julgam já ter nascido rebelde, moderno e atento às vanguardas europeias começou como um ardente admirador dos parnasianos Olavo Bilac e Emilio de Menezes. Ele os frequentava no Rio, reverenciava-os como heróis, contratava-os para dar bem pagas palestras em São Paulo e eram fotografados juntos. A partir de 1922, com Bilac e Emilio mortos desde 1918, Oswald passou a ver neles o atraso, mas só anos depois se sentiu seguro para dizer que sempre os combatera.
Sua carolice também era um fato. Ao mesmo tempo em que cozinhava a Semana de Arte Moderna, Oswald era católico de fazer romarias a Aparecida do Norte e promessas à Virgem Maria, para revolta do ateu praticante Di Cavalcanti. Não era, aliás, o único modernista que Di reprovava por beatice —havia quem seguisse procissões de opa nos ombros e vela na mão e pedisse permissão à Cúria de São Paulo para ler certos livros.
Mas o grande copidesque que Oswald fez em sua vida foi político. Por tudo o que escreveu nos anos 30 e 40, convenceu-nos de que ele fora a ala esquerda pós-22 contra a direita composta pelos futuros integralistas Plínio Salgado, Menotti Del Picchia e Cassiano Ricardo. Mas estes eram a extrema direita. Oswald era a direita clássica, oligárquica, comensal da República do Café com Leite, com a qual privava nos salões e fazendas —íntimo de Washington Luiz e Julio Prestes, que seriam os grandes derrotados de 1930.
Eles não reconheceriam o amigo e leal Oswald que, também derrotado em 1930, ressuscitaria convertido, subitamente, num feroz “casaca de ferro da revolução proletária”.
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