Numa discussão, domingo (15), sobre versões brasileiras de canções americanas, perguntaram-me se era verdade que o primeiro artista brasileiro a gravar rock tinha sido Nora Ney (1922-94). A pergunta procedia porque ela era, então, um grande nome nacional, mas como a deusa do samba-canção. Pois foi isso mesmo: Nora gravou “Rock Around the Clock”, de Max Freedman e Jimmy de Knight, no estúdio da Continental, em Bonsucesso, aqui no Rio, no dia 24 de outubro de 1955. O disco, um 78 r.p.m., saiu duas semanas depois, como “Ronda das Horas”.
O título era sem sentido, porque “rock around the clock” significa “rock o dia inteiro”, “rock 24 horas seguidas” ou algo igualmente tétrico. Mas não fazia diferença, porque Nora gravou-o em inglês mesmo —a Continental queria se aproveitar do sucesso de “Sementes de Violência”, filme de Richard Brooks onde se ouvia a gravação original de Bill Haley e Seus Cometas, em cartaz nos Metros.
E por que escolheram Nora, mulher de madura beleza, 33 anos, em vez de uma sirigaita de chuca-chuca mascando chicletes de bola? Porque precisavam de alguém que soubesse cantar em inglês. E por que Nora, estrela das madrugadas do Copacabana Palace, com seu repertório de canções adultas e sóbrias, aceitou gravar aquela patetice? Porque era uma profissional.
“Ronda das Horas” não está em nenhuma das coletâneas que já se fizeram da obra de Nora. Nem é necessário. Com seu contralto sensual, quase parlando, ela era a cantora de “Ninguém me Ama”, “Preconceito”, “Menino Grande”, “Onde Anda Você?” e “Se Eu Morresse Amanhã”, todas de Antonio Maria e parceiros, “Bar da Noite”, de Haroldo Barbosa e Bidu Reis, “Solidão” e “Castigo”, de Dolores Duran, “De Cigarro em Cigarro”, de Luiz Bonfá. Grandes sambas-canção —a sofisticação por excelência da música brasileira.
De Nora Ney como cantora, saíram Doris Monteiro, Maysa, Maria Bethânia e Nana Caymmi. Precisa mais?
“Ronda das Horas”, com Nora Ney, um tom acima. Primeiro rock and roll gravado no Brasil, em 1955 --- Cristiano Grimaldi
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