Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Hora sem festa para acabar

Uma frase invertida sem querer pode ganhar novo sentido e, de repente, se provar mais eficaz

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Tudo por uma frase, não? Em 1963, um antológico cartum de doze páginas, “A Verdadeira História do Paraíso”, custou a seu autor Millôr Fernandes sua demissão da revista O Cruzeiro. Millôr tinha 25 anos de casa e fora um dos responsáveis pelo estouro da revista nos anos 50. Mas, em 1963, O Cruzeiro, já perdendo longe para Manchete, estava decadente, inclusive pelo jornalismo quase marrom que alguns de seus grandes nomes praticavam. Ao limpar as gavetas e despedir-se, Millôr virou-se para eles e disse: “O navio abandona os ratos!”. O Cruzeiro não durou muito.

A frase invertida é um dos truques clássicos do humor, e Millôr foi dos que melhor a exploraram entre nós. Há dias, não por acaso, apropriei-me de outro de seus achados para definir o resultado das tentativas dos governistas, de blindar Jair Bolsonaro da acusação de assassinato em massa pela Covid. O máximo que estão conseguindo, escrevi, é deixar o rabo escondido com o gato de fora.

Mas o engraçado é quando as pessoas se confundem e fazem essa inversão sem querer, e mais ainda ao microfone. Talvez pelos tresnoites a que o fuso horário do Japão submeteu seus narradores e comentaristas, a transmissão da Olimpíada foi rica no gênero. E, magicamente, algumas dessas inversões fizeram sentido.

Um locutor, ao falar dos treinadores esbravejando contra os juízes de determinada competição, disse: “É natural que cada país queira puxar a sardinha para a sua brasa”. A princípio estranhei, mas logo pensei: “Por que não?”. De fato, faz mais sentido cada um com sua brasa individual, puxando a sardinha de um prato coletivo. E outro locutor, torcendo pela medalha de um atleta brasileiro, proclamou: “Vamos trincar os dedos!”. Achei perfeito —imagine se ele nos mandasse cruzar os dentes.

Mas a melhor foi quando, empolgado pela conquista de uma de nossas medalhas de ouro, outro bravo comentarista exultou: “A hora não tem festa para acabar!”.

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