Lauro Jardim me alertou. Um leilão de colecionismo no Rio, outro dia, continha um lote irresistível: cartas enviadas em 1965 por Jorge Amado ao escritor Antonio Olinto, então a trabalho em Nova York, pedindo-lhe que resgatasse um sobretudo de veludo que ele, Jorge, emprestara a João Gilberto e de que iria precisar para uma próxima viagem à Europa. João se esquecera de mandá-lo de volta. Jorge deu a Olinto o endereço do cantor e instruiu-o para que, de posse do sobretudo, despachasse-o para o Rio por certo portador.
As cartas vão de setembro a dezembro e sugerem como devia ser difícil encontrar João Gilberto em Nova York. Os meses correm, neca de sobretudo e Jorge Amado teme que irá passar frio no inverno europeu. A partir da terceira carta, o romancista já não fazia questão do portador. Qualquer um servia, mesmo que fosse um desconhecido laçado no aeroporto —o importante era o agasalho chegar. A saga só termina em fins de dezembro, com o próprio João Gilberto desembarcando no Rio e devolvendo-lhe o sobretudo. Em nenhum momento Jorge Amado quis-lhe mal. "Joãozinho é assim mesmo", dizia.
E era mesmo. O belo suéter de lã com gola em V, com que ele aparece, de mão no queixo, na capa do LP "Chega de Saudade", em 1959, lhe fora emprestado por Ronaldo Bôscoli para a foto. "João nunca me devolveu o suéter", disse-me Ronaldo, rindo.
Os violões que João Gilberto pegava com os amigos para tocar, um deles Luiz Bonfá, também raramente voltavam à mão dos donos. Não por maldade, mas porque, aéreo, distraído, ele os deixava para trás.
No caso do suéter, Bôscoli tinha razão para rir. O suéter também não era dele. Pertencia ao pai de sua namorada Nara Leão, de quem Ronaldo, ao passar por seu vestíbulo no famoso apartamento em Copacabana, tomava "emprestado" peças de roupa sem que ele soubesse. E Dr. Jairo até se encantou ao ver que João Gilberto tinha um suéter igualzinho ao dele.
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