Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Francisco acaba de entrar

O papa foi a uma loja de discos em Roma. Qual outro de seus colegas teria a ideia de fazer isto?

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Num fim de tarde outro dia, o papa Francisco achou uma brecha em seus compromissos no Vaticano. Dispensou os seguranças, tomou um carrinho dirigido por um funcionário e foi a uma loja de discos em Roma, chamada Stereosound. Conhecia-a desde quando era o cardeal Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, e ia à Itália a serviço. Imagino o espanto de Tiziana, a proprietária, ao ver quem estava entrando —não o Sumo Pontífice, chefe religioso de bilhões, mas o velho amigo, fã de Mozart e Beethoven.

Imagino também o prazer de Francisco ao se chegar às gôndolas, repassar os discos, constatar que já tinha tudo ou surpreender-se com alguma novidade —hipótese mais provável, já que os papas não têm muito tempo para acompanhar os catálogos das gravadoras. Como sua visita foi rápida, não se sabe se teve tempo para a grande delícia das lojas do gênero: socializar com os clientes, discutir preferências, saber de um lançamento secreto, ouvir uma fofoca sobre este ou aquele artista.

LPs e CDs de Virginia Luque, Edmundo Rivero, Julio Sosa e do Sexteto Mayor e cena do bairro da Boca, em óleo de Martin Evar - Heloisa Seixas

Não sou religioso nem tenho autoridade para palpitar, mas, de todos os papas de que já fui contemporâneo, não consigo pensar em outro que fizesse algo parecido. Pio 12, Paulo 6º e Bento 16 eram azedos demais; João 23, muito velhinho; João Paulo 1º mal esquentou o trono; e João Paulo 2º não se passaria por uma loja de discos, iria direto ao show ao vivo. Só Francisco me parece ainda capaz de se dar a essa prática tão singela e hoje rara: tirar um disco do invólucro, botá-lo no prato e clicar o botão de play.

Tiziana presenteou-o com um CD de música clássica. Ele aceitou e agradeceu. Mas não nos esqueçamos que, na vida real, Francisco se chama Jorge Mario e é argentino. No passado, o ronco bandido de um bandoneón na Boca não lhe foi estranho.

Quem sabe ele não preferiria um CD do Sexteto Mayor, com "Adiós Nonino"? Julio Sosa, com "Cambalache"? Virginia Luque, com "Nostalgias"? Edmundo Rivero, com "Garufa"?

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