Uma troca de móveis no apartamento me obrigou a fazer um inventário de material que teria de ser removido e guardado até a conclusão da obra. Só então me dei conta da quantidade de objetos que venho acumulando e amando pela vida, alguns de utilidade ou significado hoje quase incompreensível para muitos. Exemplos:
Um penico esmaltado do Dragão da Rua Larga (sem uso). Uma garrafa de Crush (casco escuro, frisado). Um maço de Continental sem filtro (com os cigarros). Uma caixa de fósforos Beija-Flor (com os fósforos). Um cinzeiro de pneu da Good-Year. Um cinzeiro do Algonquin Hotel de Nova York (1974). Um isqueiro Vospic-2 (sem fluído). Um aparelho de Gillette Azul (com a gilete). Uma seringa de médico, de vidro. Um tubo de lança-perfume Rodouro (vazio). Flâmulas de Carnavais dos anos 60. Confete dourado do Carnaval carioca de 1919.
Um cineminha Barlam, projetor infantil feito de baquelite. Um rádio de mesa da RCA Victor, também de baquelite (baquelite era um plástico esnobe). Um radinho de pilha Spica. Um minigravador de rolo Geloso. Cerca de 500 bolas de gude. Um apito de futebol. Uma estrela de xerife. Um boneco Mug original, de 1966. A baqueta de bateria que roubei de Lionel Hampton. Outra baqueta, que ganhei do Milton Banana. Um cartão de consumação do Bottles Bar, no Beco das Garrafas. Ingresso do show de Frank Sinatra no Maracanã em 1980.
Um baleiro de balcão de botequim. Duas garrafas de sifão. Uma lata de biscoitos da Colombo, pré-1900. Uma lata de Toddy. Uma cuia de queijo Palmyra. Uma xícara (com pires) da Panair. Uma caixa de sabonete Eucalol (sem os sabonetes). Miniatura de caminhão da Kibon. Bandeira do Flamengo dos anos 50, oficial, de pano, com o escudo de remos. Uma máquina de escrever Remington 1958. Um caderno escolar Avante. Uma caneta Parker 21. Um mata-borrão. Óculos de 3D.
A obra terminou antes que eu completasse o inventário.
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.
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Inventário do amor
Há objetos que se carregam pela vida e ninguém entende o porquê
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